Os seus belos olhos quase se enchiam de lágrimas. E cada uma destas palavras trazia todas as complexas bondades da sua alma - como num só sopro podem vir todos os aromas esparsos de um jardim.
Foi um encanto para Carlos quando Maria o associou às suas caridades, pedindo-lhe para ir ver a irmã da sua engomadeira que tinha reumatismo, e o filho da Sr.ª Augusta, a velha do patamar, que estava tisico. Carlos cumpria esses encargos com o fervor de acções religiosas. E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o avô. Como Afonso, todo o sofrimento dos animais a consternava. Um dia viera indignada da Praça da Figueira, quase com ideias de vingança, por ter visto nas tendas dos galinheiros aves e coelhos apinhados em cestos, sofrendo durante dias as torturas da imobilidade e a ansiedade da fome. Carlos levava estas belas cóleras para o Ramalhete, increpava violentamente o marquês, que era membro da Sociedade protectora dos animais. O marquês, indignado também, jurava justiça, falava em cadeias, em costa de África... E Carlos, comovido, ficava a pensar quanta larga e distante influência pode ter, mesmo isolado de tudo, um coração que é justo.
Uma tarde falaram do Dâmaso. Ela achava-o insuportável, com a sua petulância, os olhos bugalhudos, as perguntas néscias. V. Ex.ª acha Nice elegante? V. Ex.ª prefere a capela de S. João Baptista a Notre-Dame?...
- E então a insistência de falar de pessoas que eu não conheço! A Sr.ª condessa de Gouvarinho, e os chás da Sr.ª condessa de Gouvarinho, e a frisa da Sr.ª condessa de Gouvarinho, e a preferência que a Sr.ª condessa de Gouvarinho tem por ele...! E isto horas! Eu às vezes tinha medo de adormecer...
Carlos fez-se escarlate. Porque trouxera ela, entre todos, o nome da Gouvarinho? Tranquilizou-se, vendo-a rir simples e limpidamente. Decerto não sabia quem era Gouvarinho.