Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 320 / 630

Devia ser um faisão de plumagens rutilantes: mas por ora só estava bordado o galho de macieira em que ele pousava, galho fresco de primavera, coberto de florzinhas brancas, como num pomar da Normandia.

Carlos, junto da linda secretariazinha de pau preto, ocupava a mais velha, a mais cómoda das poltronas de reps vermelho, cujas molas rangiam de leve. Entre eles ficava a mesa de costura com as Ilustrações ou algum jornal de modas; às vezes, um instante calado, ele folheava as gravuras, em quanto as lindas mãos de Maria, com brilhos de jóias, iam puxando os fios de lã. Aos pés dela Niniche dormitava, espreitando-os a espaços, através das repas do focinho, com o seu belo olho grave e negro. E nesses escuros dias de chuva, cheios de friagem lá fora e do rumor das goteiras, aquele canto da janela, com a paz do vagaroso trabalho na talagarça, as vozes lentas e amigas, e às vezes um doce silêncio, tinha um ar íntimo e carinhoso...

Mas no que diziam não havia intimidades. Falavam de Paris e do seu encanto, de Londres onde ela estivera durante quatro lúgubres meses de inverno, da Itália que era o seu sonho ver, de livros, de coisas de arte. Os romances que preferia eram os de Dickens; e agradava-lhe menos Feuilet, por cobrir tudo de pó de arroz, mesmo as feridas do coração. Apesar de educada num convento severo de Orleães, lera Michelet e lera Renan. De resto não era católica praticante; as igrejas apenas a atraíam pelos lados graciosos e artísticos do culto, a música, as luzes, ou os lindos meses de Maria, em França, na doçura das flores de maio. Tinha um pensar muito recto e muito são - com um fundo de ternura que a inclinava para tudo o que sofre e é fraco. Assim gostava da Republica por lhe parecer o regímen em que há mais solicitude pelos humildes. Carlos provava-lhe rindo que ela era socialista.

- Socialista, legitimista, orleanista, dizia ela, qualquer coisa, contanto que não haja gente que tenha fome!

Mas era isso possível? Já Jesus, mesmo, que tinha tão doces ilusões, declarara que pobres sempre os haveria...

- Jesus viveu há muito tempo, Jesus não sabia tudo... Hoje sabe-se mais, os senhores sabem muito mais...





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