Os Maias - Cap. 13: Capítulo 13 Pág. 370 / 630

O poeta foi amável também, um pouco de alto, passando os dedos no bigode:

- Vai-se andando. E tu que fazes? Quando nos dás essas Memórias homem?

- Estou à espera que o país aprenda a ler.

- Tens que esperar! Pede ao teu amigo Gouvarinho que apresse isso, ele ocupa-se da Instrução pública... Olha, ali o tens tu, grave e oco como uma coluna do Diário do Governo...

O poeta apontava com a bengala para o outro lado da rua, por onde o Gouvarinho descia, muito devagar, a conversar com o Cohen; e ao lado deles, de chapéu branco, de colete branco, o Dâmaso deitava olhares pelo Chiado, risonho, ovante, barrigudo, como um conquistador nos seus domínios. Já aquele arzinho gordo de tranquilo triunfo irritou Carlos. Mas quando o Dâmaso parou defronte, no outro passeio, todo de costas para ele, ostentando rir alto com o Gouvarinho, não se conteve, atravessou a rua.

Foi breve, e foi cruel: sacudiu a mão do Gouvarinho, saudou de leve o Cohen: e sem baixar a voz, disse ao Dâmaso friamente:

- Ouve lá. Se continuas a falar de mim e de pessoas das minhas relações, do modo como tens falado, e que não me convém, arranco-te as orelhas.

O conde acudiu, metendo-se entre eles:

- Maia, por quem é! Aqui no Chiado...

- Não é nada, Gouvarinho, disse Carlos detendo-o, muito sério e muito sereno. É apenas um aviso a este imbecil.

- Eu não quero questões, eu não quero questões!... balbuciou o Dâmaso, lívido, enfiando para dentro de uma tabacaria.

E Carlos voltou, com sossego, para junto dos seus amigos, depois de ter saudado o Cohen e sacudir a mão ao Gouvarinho.

Vinha apenas um pouco pálido: mais perturbado estava o Ega, que julgara ver de novo, num olhar do Cohen, uma provocação intolerável. Só o Alencar não reparara em nada: continuava a discursar sobre coisas literárias, explicando ao Ega as concessões que se podiam fazer ao naturalismo...

- Fiquei aqui a dizer ao Ega... É evidente que quando se trata de paisagem é necessário copiar a realidade... Não se pode descrever um castanheiro a priori, como se descreveria uma alma... E lá isso faço eu...





Os capítulos deste livro