Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 419 / 630

O outro passou os dedos no bigode, e prosseguiu, devagar, arranjando as suas palavras com cuidado e com precisão:

- O meu caso é este, Sr. Carlos da Maia. há pessoas em Lisboa que me não conhecem decerto, mas que sabem a esta hora que existe algures, em Paris, no Brasil ou no inferno, um certo Castro Gomes, que tem uma mulher bonita, e que a mulher desse Castro Gomes tem em Lisboa um amante. Isto é desagradável, sobretudo por ser falso. E V. Ex.ª compreende que eu não devo continuar a arrastar por mais tempo a fama de marido infeliz, visto que a não mereço, e que a não posso legalmente ter... É por isso que aqui venho, muito francamente, de gentleman para gentleman, dizer-lhe, como tenho tenção de dizer a outros, que aquela senhora não é minha mulher.

Durante um momento Castro Gomes esperou a voz de Carlos da Maia. Mas ele conservava uma face muda, impenetrável, onde apenas os olhos brilhavam angustiosamente na lividez que a cobrira. Por fim, com um esforço, baixou de leve a cabeça, como acolhendo placidamente aquela revelação, que tornava outra qualquer palavra entre eles desnecessária e vã.

Mas Castro Gomes encolhera de leve os ombros, com uma lânguida resignação, como quem atribui tudo à malícia dos Destinos.

- São as ridículas cenas da vida... O Sr. Carlos da Maia está daí a ver as coisas. É a velha, a clássica história... há três anos que eu vivo com essa senhora; quando tive o inverno passado de ir ao Brasil, trouxe-a a Lisboa para não vir sozinho. Fomos para o hotel Central. V. Ex.ª compreende perfeitamente que eu não fui fazer confidencias ao gerente do estabelecimento. Aquela senhora vinha comigo, dormia comigo, portanto, para todos os efeitos do hotel, era minha mulher. Como mulher de Castro Gomes ficou no Central; como mulher de Castro Gomes alugou depois uma casa na rua de S. Francisco; como mulher de Castro Gomes tomou enfim um amante... Deu-se sempre como mulher de Castro Gomes, mesmo nas circunstâncias mais particularmente desagradáveis para Castro Gomes... E, meu Deus! Não podemos realmente condená-la muito...





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