Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 421 / 630

E, diante desta nova rudeza que revelava só mortificação, Castro Gomes foi perfeito: saudou, sorriu, murmurou:

- Parto esta noite mesmo para Madrid, e levo o pesar de ter feito o conhecimento de V. Ex.ª por um motivo tão desagradável... Tão desagradável para mim.

Os seus passos desafogados e leves perderam-se na antecâmara, entre as tapeçarias. Depois em baixo uma portinhola bateu, uma carruagem rodou na calçada...

Carlos ficara caído numa cadeira, junto da porta, com a cabeça entre as mãos. E de todas aquelas palavras de Castro Gomes, que ainda lhe ressoavam em redor, adocicadas e lentas, só lhe restava o sentimento atordoado de uma coisa muito bela, resplandecendo

muito alto, e que caía de repente, se fazia em pedaços na lama, salpicando-o todo de nódoas intoleráveis... Não sofria: era simplesmente um assombro de todo o seu ser perante este fim imundo de um sonho divino... Unira a sua alma arrebatadamente a outra alma nobre e perfeita, longe nas alturas, entre nuvens de ouro; de repente uma voz passava, cheia de rr; as duas almas rolavam, batiam num charco; e ele achava-se tendo nos braços uma mulher que não conhecia, e que se chamava Mac-Gren!

Mac-Gren! Era a Mac-Gren!

Ergueu-se, com os punhos fechados; e veio-lhe uma revolta furiosa de todo o seu orgulho contra essa ingenuidade que o trouxera meses tímido, trémulo, ansioso, seguindo à maneira de uma estrela aquela mulher, que qualquer em Paris, com mil francos no bolso, poderia ter sobre um sofá, fácil e nua! Era horrível! E recordava agora, afogueado de vergonha, a emoção religiosa com que entrava na sala de reps vermelho da rua de S. Francisco: o encanto enternecido com que via aquelas mãos, que ele julgava as mais castas da terra, puxarem os fios de lã no bordado, num constante trabalho de mãe laboriosa e recolhida; a veneração espiritual com que se afastava da orla do seu vestido, igual para ele à túnica de uma Virgem cujas pregas rígidas nem a mais rude bestialidade ousaria desmanchar de leve! Oh imbecil, imbecil!... E todo esse tempo ela sorria consigo daquela simplicidade de provinciano do Douro! Oh! tinha vergonha agora das flores apaixonadas que lhe trouxera! Tinha vergonha das «excelências» que lhe dera!





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