Parou junto de D. Maria da Cunha, apertada na mesma fila com todo um rancho íntimo, a marquesa de Soutal, as duas Pedrosos, a Teresa Darque. E a boa D. Maria tocou-lhe logo no braço para saber quem era aquele musico de cabeleira.
- Um amigo meu, murmurou Ega. Um grande maestro, o Cruges.
O Cruges... O nome correu entre as senhoras, que o não conheciam. E era composição dele, aquela coisa triste?
- É de Beethoven, Sr.ª D. Maria da Cunha, a Sonata patética.
Uma das Pedrosos não percebera bem o nome da Sonata. E a marquesa de Soutal, muito séria, muito bela, cheirando devagar um frasquinho de sais, disse que era a Sonata pateta. Por toda a bancada foi um rastilho de risos sufocados. A Sonata pateta! Aquilo parecia divino! Da extremidade o Vargas gordo, o das corridas, estendeu a face enorme, imberbe e cor de papoula:
- Muito bem, Sr.ª marquesa, muito catita!
E passou o gracejo a outras senhoras, que se voltavam, sorriam à marquesa, entre o frou-frou dos leques. Ela triunfava, bela e séria, com um velho vestido de veludo preto, respirando os sais - enquanto adiante um amador de barba grisalha cravava naquele
rancho ruidoso dois grandes óculos de ouro que faiscavam de cólera.
No entanto, por toda a sala, o sussurro crescia. Os encatarrados tossiam livremente. Dois cavalheiros tinham aberto a Tarde. E caído sobre o teclado, com a gola da casaca fugida para a nuca, o pobre Cruges, suando, estonteado por aquela desatenção rumorosa, atabalhoava as notas, numa debandada.
- Fiasco completo, declarou Carlos que se aproximara do Ega e do rancho.
Foi para D. Maria da Cunha uma alegria, uma surpresa! Até que enfim se via o Sr. Carlos da Maia, o Príncipe Tenebroso! Que fizera ele durante esse verão? Todo o mundo a esperá-lo em Sintra, alguém mesmo com ansiedade... Um chut furioso do amador de barbas grisalhas emudeceu-a.