Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 552 / 630

Ega embrulhou-se numa complicada história, limpando o monóculo à ponta do lençol. Não eram espanholas... Pelo contrário, umas costureiras, raparigas sérias... Ele tinha um compromisso antigo de ir a Sintra com uma delas, filha de um Simões, um estofador que falira... Gente muito séria!...

Perante estes compromissos, tanta seriedade, Carlos desistiu logo da ideia de Sintra.

- Bem, acabou-se!... Vou então tomar banho e depois a negócios... E tu, se fores, traz-me umas queijadas para a Rosa, que ela gosta!...

Apenas Carlos saiu, Ega cruzou os braços desanimado, descorçoado, sentindo bem que não teria coragem nunca de «dizer tudo». Que havia de fazer?... E de novo, insensivelmente, se refugiou na ideia de procurar o Vilaça, entregar-lhe o cofre da Monforte. Não havia homem mais honesto, nem mais pratico; e, pela mesma mediocridade do seu espírito burguês, quem melhor para encarar aquela catástrofe sem paixão e sem nervos?... E esta falta de nervos do Vilaça fixou-o definitivamente.

Saltou então da cama, numa impaciência, repicou a campainha. E enquanto o criado não entrava, foi, com o robe-de-chambre aos ombros, examinar o cofre da Monforte. Parecia com efeito uma velha caixa de charutos, embrulhada num papel de dobras já sujas e gastas, com marcas de lacre onde se distinguia uma divisa que seria decerto a da Monforte - Pro amore. Na tampa tinha escrito numa letra de mulher mal-ensinada - Monsieur Guimaran, à Paris. Ao sentir os passos do criado deitou-lhe por cima uma toalha, que pendia ao lado, numa cadeira. E daí a meia hora rolava pelo Aterro numa tipoia descoberta, mais animado, respirando largamente aquele belo ar da manhã, fino e fresco, que ele tão raras vezes gozava.

Começou por uma contrariedade. Vilaça já saíra: e a criada não sabia bem se ele fora para o escritório, se a uma vistoria ao Alfeite... Ega largou para o escritório, na rua da Prata. O Sr. Vilaça ainda não viera...

- E a que horas virá?

O escrevente, um rapaz macilento que torcia nervosamente sobre o colete uma corrente de coral, balbuciou que o Sr. Vilaça não devia tardar, se não tivesse atravessado, no vapor das nove, para o Alfeite... Ega desceu desesperado.





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