Vilaça coçava o queixo, hesitando:
- Eu também tenho um jazigo. Foi o próprio Sr. Afonso da Maia que o mandou erguer para meu pai, que Deus haja... Ora parece-me que por uns dias ficava lá perfeitamente. Assim não se pedia a ninguém, e eu tinha nisso muita honra...
Ega concordou. Depois fixaram outros detalhes de convite, de hora, de chave do caixão. Por fim Vilarça, olhando o relógio, ergueu-se com um grande suspiro:
- Bem, vou dar esses tristes passos! E cá apareço logo, que o quero ver pela ultima vez, quando o tiverem vestido. Quem me havia de dizer! Ainda antes de ontem a jogar com ele... Até lhe ganhei três mil reis, coitadinho!
Uma onda de saudade sufocou-o, fugiu com o lenço nos olhos.
Quando Ega desceu, Carlos, todo de luto, estava sentado à escrivaninha, diante de uma folha de papel. Imediatamente ergueu-se, arrojou a pena.
- Não posso!... Escreve-lhe tu aí, a ela, duas palavras.
Em silêncio, Ega tomou a pena, redigiu um bilhete muito curto. Dizia: «Minha senhora. O Sr. Afonso da Maia morreu esta madrugada, de repente, com uma apoplexia. V. Ex.ª compreende que, neste momento, Carlos nada mais pode do que pedir-me para eu transmitir a V. Ex.ª esta desgraçada noticia. Creia-me, etc.» Não o leu a Carlos. E como Baptista entrava nesse momento, todo de preto, com o almoço numa bandeja, Ega pediu-lhe para mandar o trintenário com aquele bilhete à rua de S. Francisco. Baptista segredou sobre o ombro do Ega:
- É bom não esquecer as fardas de luto para os criados...
- O Sr. Vilaça já sabe.
Tomaram chá à pressa em cima do tabuleiro. Depois Ega escreveu bilhetes a D. Diogo e ao Sequeira, os mais velhos amigos de Afonso: e davam duas horas quando chegaram os homens com o caixão para amortalhar o corpo. Mas Carlos não permitiu que mãos mercenárias tocassem no avô. Foi ele e o Ega, ajudados pelo Baptista, que, corajosamente, recalcando a emoção sob o dever, o lavaram, o vestiram, o depuseram dentro do grande cofre de carvalho, forrado de cetim claro, onde Carlos colocou uma miniatura de sua avó Runa.