Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 593 / 630

À tarde, com auxilio de Vilaça, que voltara «para dar o último olhar ao patrão», desceram-no ao escritório, que Ega não quisera alterar nem ornar, e que, com os damascos escarlates, as estantes lavradas, os livros juncando a carteira de pau-preto, conservava a sua feição austera de paz estudiosa. Somente, para depor o caixão, tinham juntado duas largas mesas, recobertas por um pano de veludo negro que havia na casa, com as armas bordadas a ouro. Por cima o Cristo de Rubens abria os braços sobre a vermelhidão do poente. Aos lados ardiam doze castiçais de prata. Largas palmas de estufa cruzavam-se à cabeceira do esquife, entre ramos de camélias. E Ega acendeu um pouco de incenso em dois perfumadores de bronze.

Á noite o primeiro dos velhos amigos a aparecer foi D. Diogo, solene, de casaca. Encostado ao Ega, aterrado diante do caixão, só pôde murmurar: - «E tinha menos sete meses que eu!» O marquês veio já tarde, abafado em mantas, trazendo um grande cesto de flores. Craft e o Cruges nada sabiam, tinham-se encontrado na rampa de Santos; - e receberam a primeira surpresa ao ver fechado o portão do Ramalhete. O último a chegar foi o Sequeira, que passara o dia na quinta, e se abraçou em Carlos, depois no Craft ao acaso, entontecido, com uma lágrima nos olhos injectados, balbuciando: - «Foi-se o companheiro de muitos anos. Também não tardo!...»

E a noite de vigília e pêsames começou, lenta e silenciosa. As doze chamas das velas ardiam, muito altas, numa solenidade funerária. Os amigos trocaram algum murmúrio abafado, com as cadeiras chegadas. Pouco a pouco, o calor, o aroma do incenso, a exalação das flores forçaram o Baptista a abrir uma das janelas do terraço. O céu estava cheio de estrelas. Um vento fino sussurrara nas ramagens do jardim.

Já tarde Sequeira, que não se movera de uma poltrona, com os braços cruzados, teve uma tontura. Ega levou-o à sala de jantar, a reconfortá-lo com um cálice de cognac. Havia lá uma ceia fria, com vinhos e doces. E Craft veio também - com o Taveira, que soubera a desgraça na redacção da Tarde, e correra quase sem jantar.





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