O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 10 / 183

K. fixou o Inspector. Terá ele de receber lições de boas maneiras de um homem provavelmente mais novo do que ele? De ser punido com uma repreensão pela sua franqueza? E acerca da sua prisão e de quem a ordenou, não lhe será dada nenhuma satisfação?

Começou a sentir-se nervoso e a andar de um lado para o outro sem que ninguém o impedisse. Puxou os punhos da camisa para cima, passou as mãos pelo peitilho, revolveu o cabelo e, ao passar junto dos três jovens, disse: «Isto é um puro disparate!», pelo que eles se voltaram para ele e o fritaram com uma certa simpatia, mas gravemente. Por fim, parou em frente da mesa do Inspector. «O advogado Hasterer é meu amigo pessoal», disse ele. «Posso telefonar-lhe?» «Decerto que pode», respondeu o Inspector, «mas não vejo que sentido esse telefonema possa fazer, a menos que queira tratar de algum assunto pessoal com ele.» «Que sentido possa fazer?», gritou K., mais surpreendido do que indignado. «Que espécie de homem é então o senhor? Pede-me que seja sensato e comporta-se da maneira mais insensata que se pode imaginar! É realmente de surpreender. Primeiro caem sobre mim na minha própria casa, em seguida vagueiam pelo meu quarto, pondo-me à prova, e tudo isto para vosso proveito. Acha então que não faz sentido eu telefonar a um advogado quando me informam de que estou preso? Pois bem, não telefonarei.» «Mas telefone, se quiser», replicou o Inspector, apontando para o vestíbulo de entrada, onde se encontrava o telefone. «Vá fazer a chamada, por favor.» «Não, agora já não quero telefonar», disse K., encaminhando-se para a janela. Na casa em frente, o grupo dos três estava ainda à espreita, mas o gozo que o espectáculo lhes proporcionava foi levemente perturbado quando K. assomou à janela. Os dois velhos fizeram menção de se levantar, mas o homem por detrás deles saístes e-os. «Aqui não faltam espectadores!», gritou K. em voz alta ao inspector, apontando para eles com o dedo. Já daí para fora!» Acto contínuo, os três afastaram-se alguns passas, ficando os mais velhos ocultos pelo homem mais novo, que os encobria com a sua enorme estatura. Pelo movimento dos lábios, depreendia-se que alguma coisa ele lhes estava a dizer, mas que, devido à distancia, não se podia perceber. Contudo, não se afastaram completamente; pareciam aguardar a oportunidade de regressar despercebidamente à janela. «Intrometidos, miseráveis indiscretos!», chamou-lhes K. ao voltar-se de novo para o quarto. O inspector era certamente da mesma opinião, deduziu K. depois de lhe ter dado uma rápida olhadela.





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