O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 145 / 183

É por isso que consinto que Block aqui durma, até porque já aconteceu o advogado chamar por ele no meio da noite. Desta forma, Block tem de estar pronto a comparecer quer de noite quer de dia. Acontece também que, por vezes, o advogado muda de ideias ao descobrir que Block se encontra aqui e então recusa-lhe a entrevista.» K. lançou um olhar interrogador ao comerciante, que acenou afirmativamente com a cabeça e disse, com a mesma franqueza que usara antes, ou talvez simplesmente desconcertado por um sentimento de vergonha: «É verdade, à medida que o tempo corre, vamo-nos tornando dependentes do advogado.» «Ele s6 está a fingir que protesta», disse Leni, «pois gosta de dormir aqui, como já várias vezes me tem dito.» Dirigiu-se a uma porta pequena e abriu-a. «Queres ver o quarto dele?», perguntou ela. K. seguiu-a e espreitou do limiar da porta para dentro de um quartinho de tecto baixo, sem janela e que tinha espaço apenas para uma cama estreita. A cabeceira, num pequeno nicho na parede, viam-se, cuidadosamente dispostos, uma vela, um tinteiro e uma caneta ao lado de um maço de papéis, provavelmente documentos relativos ao processo. «Então o senhor dorme no quarto da criada?», perguntou K., voltando-se para o comerciante. «Foi Leni que mo cedeu», disse ele «é-me muito útil.» K. olhou fixamente para ele; a primeira impressão que tivera do homem devia ter sido, afinal de contas, a mais certa; Block era, sem dúvida, um homem experiente, visto que o seu processo já durava há tantos anos, mas pagara bem caro por essa experiência. De repente, K sentiu que já nem suportava a presença do homem. «Mete-o na cama», gritou ele a Leni, que parecia não compreender o significado daquelas palavras. Contudo, o que ele queria era ir até junto do advogado e afastar da sua vida, não só Huld, mas também Leni e o comerciante. Antes de conseguir chegar junto do quarto, Block falou com ele num tom de voz baixo: «Herr K.», K. voltou-se zangado, «o senhor esqueceu-se de cumprir a sua promessa», disse o comerciante, estendendo as mãos suplicantemente para K. «O senhor ia contar-me um dos seus segredos.» «É verdade», respondeu K., lançando um olhar também a Leni, que olhava para ele atentamente; «embora nesta altura seja um segredo que vai ser publicamente revelado. Vou ao advogado para o dispensar dos serviços que me tem prestado relativamente ao meu processo.» «Dispensá-lo», exclamou o comerciante; deu um salto da cadeira e precipitou-se para a cozinha, de braços levantados, gritando, à medida que corria: «Ele vai dispensar o advogado!» Leni tentou agarrar K, mas Block meteu-se-lhe no caminho e ela afastou-o com os punhos.





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