O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 56 / 183

O resto do pessoal, como o senhor já deve ter notado por mim, está pessimamente vestido e com roupas fora de moda, lamento muito dizê-lo, de qualquer modo, não vejo que faça muito sentido gastarmos dinheiro em roupas, porque mal sumos destes escritórios e até dormimos aqui. Mas, como digo, achámos que, na sua posição, ele necessitava de roupas apresentáveis. Como a direcção, que a este respeito é de certo modo estranha, se recusou a fornecer as roupas, fizemos uma subscrição—algumas pessoas que aqui vêm também contribuíram... e comprámos-lhe este elegante faro e mais alguns outros. Agora já não era preciso mais nada para produzir uma boa impressão, mas ele estraga tudo com o seu riso, que aborrece as pessoas.» «É exactamente isso», retorquiu o homem ironicamente. «No entanto, não percebo, Fraulein, por que razão tem de contar a este senhor todos os nossos segredos íntimos ou, mais ainda, obrigá-lo a ouvi-los, no que ele não está interessado. Olhe só para ele: está obviamente muito ocupado a pensar na sua vida.» K. não reagiu. As intenções da rapariga eram sem dúvida boas, pois provavelmente só tencionava distraí-lo ou facultar-lhe uma oportunidade para se recompor, mas não tinha seguido o melhor caminho para o fazer «Bem, é que tive de lhe explicar a razão do seu riso», volveu a rapariga. «Era insultuoso.» «Acho que ele ignoraria insultos muito piores se o levasse daqui para fora.» K. nada respondeu, não quis sequer levantar a cabeça, consentindo que ambos falassem dele como se se tratasse de uma coisa inanimada, o que na realidade preferia. De repente, sentiu a mão do homem debaixo do braço dele e a da rapariga debaixo do outro braço. «Para cima, fracalhote!», disse o homem. «Muito obrigado a ambos», respondeu K alegremente surpreendido e levantando-se lentamente, tendo ele próprio levado as mãos dos estranhos aos sítios onde sentia mais necessidade de apoio. «Deve parecer-lhe», murmurou a rapariga ao ouvido de K. quando se aproximavam do corredor, . que eu estava muito interessada em mostrar-lhe o Chefe dos Serviços informativos sob um prisma favorável, mas pode acreditar que apenas desejava dizer a verdade a seu respeito. Ele não é um homem duro. Não é obrigado a ajudar a sair daqui as pessoas que se sentem indispostas, mas fá-lo, como pode ver. Nenhum de nós tem coração duro e a* sentimos gosto em auxiliar seja quem for, ainda que, como funcionários judiciais, aparentemos ser duros e pouco amigos de ajudar. Isto realmente preocupa-me.» «Não quererá sentar-se aqui por um momento?», perguntou o Chefe dos Serviços Informativos; estavam agora no corredor principal, justamente em frente do homem a quem K. tinha primeiramente falado. Sentiu-se envergonhado perante o homem.





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