O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 90 / 183

Nestas circunstâncias, a defesa encontrar-se-ia numa posição muito delicada e difícil. Todavia, esse facto era também intencional, na medida em que a defesa não era efectivamente favorecida pela lei, mas simplesmente tolerada, havendo diversidade de opiniões mesmo sobre este ponto, isto é, se a lei, na sua interpretação, admitiria ou não tal tolerância. Por conseguinte, e falando com exactidão, nenhum dos advogados de defesa era reconhecido pela lei, pois todos os que se apresentavam perante o tribunal como advogados eram, na realidade, simples embusteiros. Este facto, em geral, produzira um efeito muito humilhante no campo profissional. Da próxima vez que K. visitasse o tribunal, devia dar uma olhadela pela sala dos advogados, apenas para a ver, ainda que fosse uma vez na vida. Ficaria provavelmente horrorizado com o género de pessoas que ali encontraria reunidas. A sala em si, pequena e apertada, mostrava bem o desprezo em que o tribunal tinha essas pessoas. Era iluminada apenas por uma clarabóia, que ficava tão alta que, se alguém quisesse olhar dali para fora, um colega teria de o levantar às costas e, mesmo assim, o fumo da chaminé, que ficava próxima, sufocá-lo-ia e enegrecer-lhe-ia o rosto. Para dar mais um exemplo do estado em que aquela sala se encontrava, havia no chão, há mais de um ano, um buraco não tão grande que uma pessoa pudesse ir por ele abaixo, mas suficientemente grande para nele caber a perna de um homem. A sala dos advogados situava-se no topo, mesmo acima do sótão, de tal modo que, se alguém caísse no buraco e a perna se enfiasse por ali dentro, ia sair no sótão em baixo, no corredor onde os clientes esperavam a sua vez. Não seria exagerado os advogados chamarem escandalosas a estas condições. As reclamações feitas as respectivas autoridades não produziam o mínimo efeito e tinha sido absolutamente proibido aos advogados fazerem reparações, quaisquer que elas fossem, ou alterações, ainda que à custa deles. Mesmo assim, havia uma certa justificação da parte das autoridades na atitude tomada. Elas queriam eliminar tanto quanto possível os advogados de defesa; toda a responsabilidade da defesa devia incidir sobre o réu. Era um ponto de vista bastante razoável, se bem que não houvesse nada mais errado do que deduzir daqui que os réus não necessitavam de advogado de defesa uma vez perante este tribunal. Pelo contrário, em nenhum outro tribunal aquela assistência legal se tornava tão necessária, visto que os processos eram confidenciais, não só para o público em geral mas também para o réu.





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