Mas o retrato? Que havia de dizer? Possuía o segredo da sua vida e contava a sua história. Ensinara-o a amar a sua própria beleza. Ensiná-lo-ia a sentir asco pela própria alma? Voltaria a contemplá-lo?
Não; era apenas uma ilusão que lhe transviava os sentidos perturbados. A horrível noite que passara deixara fantasmas atrás de si. De súbito instalara-se-lhe no cérebro aquela mancha escarlate que dementa os homens. O retrato não mudara. Era loucura pensá-lo...
No entanto, o retrato fitava-o, com o seu belo rosto deformado e o seu cruel sorriso. O seu claro cabelo reflectia o sol matinal. Os seus olhos encontraram-se com os dele. Empolgou-o uma sensação de infinita piedade, não por si, mas pela sua efígie. Já se havia alterado e havia ainda de se alterar mais. Os seus cabelos de oiro tornar-se-iam grisalhos. Mirrar-se-iam as rosas rubras e brancas das suas faces. Por cada pecado que cometesse, uma mancha poluiria e devastaria a sua formosura. Mas não pecaria. O retrato, alterado ou não, seria para ele o emblema visível da consciência.