O Retrato de Dorian Gray - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 242 / 335

Ouviu-se um frouxo gemido e o horrível ruído do sangue gorgolejando na garganta. Os braços ergueram-se convulsivamente três vezes, agitando no vácuo as mãos grotescas. Feriu-o mais duas vezes ainda, mas o homem não se mexeu. Começava a escorrer alguma coisa pelo chão. Esperou um momento, exercendo sempre pressão sobre a cabeça. Depois atirou a faca para cima da mesa e pôs-se à escuta.

Nada mais ouviu além do gotejar sobre o tapete puído. Abriu a porta e saiu para o patamar. A casa dormia em absoluto silêncio. Ninguém andava a pé. Conservou-se alguns segundos debruçado sobre o corrimão e perscrutando as trevas. Depois voltou para o quarto e fechou-se à chave.

O homem continuava sentado na cadeira, caído sobre a mesa, a cabeça pendente, o dorso arqueado, os braços fantasticamente longos. Se não fora o rasgão rubro no pescoço e a negra poça coagulada que lentamente ia alastrando pela mesa, dir-se-ia que o homem estava simplesmente dormindo.

Como tudo se passara tão depressa! Sentia-se estranhamente calmo; e, dirigindo-se para a janela, abriu-a e saiu para a varanda. O vento havia dissipado o nevoeiro, e o céu parecia a cauda dum pavão monstruoso, recamado de miríades de olhos de oiro. Olhou para baixo e viu o polícia no seu giro e assestando o clarão da lanterna nas portas das casas silenciosas.





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