O Retrato de Dorian Gray - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 243 / 335

À esquina luziu a mancha rubra dum hansom, que logo se sumiu. Uma mulher embrulhada num xaile arrastava-se lentamente, cosida com as grades e cambaleando. De vez em quando parava e olhava para trás. Duma vez começou a cantar numa voz roufenha. O polícia abeirou-se dela e disse-lhe alguma coisa. Ela foi-se embora aos bordos e rindo. Um vento cortante varria a Praça. As luzes bruxuleavam e as árvores, despidas de folhas, agitavam os seus ramos negros e hirtos. Dorian Gray estremeceu de frio e voltou para dentro, fechando a janela.

Havendo chegado à porta, desandou a chave e abriu-a. Nem sequer olhou para o cadáver. Sentia que o segredo em que tudo aquilo se passara o devia pôr a coberto de toda a suspeita. O amigo que pintara o retrato fatal, origem de toda a sua miséria, desaparecera da sua vida. Isso bastava. Lembrou-se então do candeeiro um tanto curioso, trabalho mourisco, feito de prata oxidada, com incrustações de arabescos de aço brunido e adornado de turquesas grosseiras. Talvez o criado desse pela falta dele e começasse a fazer perguntas... Hesitou um momento, depois voltou para trás e pegou nele. Não pôde deixar de ver o morto. Que quietude! Que horrível alvura a daquelas compridas mãos! Parecia uma terrível figura de cera.





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