O Retrato de Dorian Gray - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 321 / 335

... Como a imagem duma dor, Cara sem coração...

- Sim, era exactamente isso o retrato. - Lord Henry riu-se.

- Se um homem trata a vida artisticamente, o seu cérebro é o seu coração - respondeu, afundando-se numa poltrona.

Dorian Gray abanou a cabeça e arrancou alguns acordes do piano, ao mesmo tempo que ia repetindo

…Como a imagem duma dor, Cara sem coração.

Lord Henry reclinou-se na poltrona e fitou-o com os olhos semicerrados.

- A propósito, Dorian - disse, passados uns minutos de silêncio - «que lucra um homem ganhando o mundo todo e - como é que ele dizia? - perdendo a sua alma»?

Dorian Gray pôs-se em pé e encarou o amigo fixamente.

- Porque me faz esse pergunta, Henry?

- Meu caro amigo - disse Lord Henry, alçando, como que surpreso, as sobrancelhas -, fi-la porque pensei que me poderia dar uma resposta. Nada mais. No domingo passado atravessei o Parque, e, ao pé do Arco de Mármore, achava-se reunida uma porção de gente mal vestida, que escutava um vulgar pregador ambulante. Ao passar, ouvi o homem fazer essa pergunta ao auditório. Impressionou-me por ser um tanto ou quanto dramática. Londres abunda em curiosos efeitos desse género. Um domingo de chuva, um esquipático cristão de capote de oleado, uma roda de caras pálidas e enfezadas, abrigadas sob um telhado de guarda-chuvas gotejantes, e uma frase admirável atirada ao ar por uns lábios estridentes e histéricos.





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