A República - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 16 / 290

Ao ouvi-lo, fiquei assombrado e, olhando para ele, senti-me dominado pelo medo; julgo até que, se não o tivesse olhado antes que ele me olhasse, teria ficado mudo. Mas, quando a discussão começou a irritá-lo, olhei-o em primeiro lugar, de modo que fui capaz de responder e disse-lhe, tremendo um pouco:

— Não te zangues connosco, Trasímaco, porque, se cometemos um erro na nossa análise, eu e este jovem, sabes bem que o cometemos involuntariamente. Com efeito, se procurássemos ouro, não estaríamos dispostos a inclinar-nos um diante do outro e a prejudicar as nossas oportunidades de descoberta; portanto, não penses que, procurando a justiça, coisa mais preciosa que grandes quantidades de ouro, façamos rolamento concessões mútuas, em vez de nos esforçarmos o mais possível por descobri-la. Não penses isso, meu amigo. Mas creio que a tarefa ultrapassa as nossas forças. Portanto, é muito mais natural para vós, os hábeis, ter pena de nós do que testemunhar-nos irritação.

A estas palavras, soltou uma risada sardónica e exclamou:

— Ó Héracles!, é bem a ironia habitual de Sócrates! Sabia-o e tinha vaticinado a estes jovens que não quererias responder, que simularias ignorância, que farias tudo em vez de responderes às perguntas que te fizessem!

— És um homem subtil, Trasímaco — respondi. — Sabias perfeitamente que, se perguntasses a alguém quais são os factores de doze e o prevenisses: «Abstém-te, amigo, de me dizeres que doze são duas vezes seis ou três vezes quatro ou seis vezes dois ou quatro vezes três, porque não admitirei tal lengalenga», sabias perfeitamente, repito, que ninguém responderia a uma pergunta assim feita. Mas, se ele te dissesse: «Trasímaco, como explicas que eu não responda nada ao que enunciaste antecipadamente? Será que, homem espantoso, se a verdadeira resposta é uma dessas, não devo dá-la, mas dizer outra coisa diferente da verdade? Ou então como o explicas?», que responderias a isto?





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