A República - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 166 / 290

- Sem dúvida - respondeu Adimanto.

- Não tens necessidade, creio eu, de ver esta comparação explicada para reconheceres a imagem do tratamento que sofrem os verdadeiros filósofos nas cidades: espero que compreendas a minha ideia.

- Sem dúvida.

- Começa então por apresentar esta comparação àquele que se admira de ver que os filósofos não são honrados nas cidades e procura persuadi-lo de que seria uma admiração muito maior que o fossem.

- Fá-lo-ei.

- Acrescenta que não te enganavas ao declarar que os filósofos mas sábios são inúteis ao maior número, mas faz notar que essa inutilidade é devida aos que não empregam os sábios, e não aos próprios sábios. Com efeito, não é natural que o piloto peça aos marinheiros que se deixem governar por ele nem que os sábios vão espera às portas dos ricos. O autor desta facécia mentiu. A verdade é que, rico ou pobre, o doente tem de ir bater à porta do médico e que todo aquele que tem necessidade de um chefe tem de ir bater à do homem que é capaz de comandar: não compete ao chefe, se realmente pode ser útil, pedir aos governados que se submetam à sua autoridade. Assim, comparando os políticos que governam actualmente aos marinheiros de que falávamos há pouco e os que são considerados por eles inúteis e tagarelas perdidos nas nuvens aos verdadeiros pilotos, não te enganarás.

-Muito bem.

- Segue-se que em semelhante caso é difícil que a melhor profissão seja estimada por aqueles que perseguem fins contrários aos seus. Mas a mais grave e séria acusação que fere a filosofia vem-lhe daqueles que pretendem cultivá-la e que, na tua opinião, levem o detractor deste estudo a dizer que a maioria dos que se consagram a ele são totalmente perversos e que os mais sábios são inúteis: opinião que, como tu, reconheci ser verdadeira, não é verdade?

-É.

- Mas não acabámos de descobrir a razão da inutilidade dos melhores entre os filósofos?

- Assim é.

- A partir da perversidade do maior número, queres que procuremos a causa necessária e nos esforcemos por demonstrar, se o conseguirmos, que essa causa não é a filosofia?

- Certamente.

- Pois bem! Escutemos e chamemos à memória a descrição feita por nós há pouco do carácter que é preciso ter recebido da natureza para se tornar um homem nobre e bom. Primeiramente, este carácter era guiado, se bem te lembras, pela verdade, que devia seguir em tudo e por toda a parte, sob pena, usando de impostura, de não participar de maneira nenhuma na verdadeira filosofia.





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