A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 193 / 290

- A educação é, pois, a arte que se propõe este objectivo, a conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de o conseguir; não consiste em dar vista ao órgão da alma, visto que já a tem; mas, como está mal orientado e não olha para onde deveria, ela esforça-se por encaminhá-lo na boa direcção.

- Assim parece - disse ele.

- Agora, as outras virtudes, chamadas virtudes da alma, parecem aproximar-se das do corpo - porquanto, na realidade, quando não se as tem desde o princípio, pode-se adquiri-las depois pelo hábito e pelo exercício; mas a virtude de ciência pertence muito provavelmente a algo de mais divino, que nunca perde a sua força e que, segundo a direcção que se lhe imprime, se torna útil e vantajoso ou inútil e prejudicial. Não notaste ainda, a propósito das pessoas consideradas más, mas hábeis, como são perscrutadores os olhos da sua miserável almazinha e com que acuidade distinguem os objectos para que se voltam? A sua alma não tem uma vista fraca, mas como é obrigada a servir a sua malícia, quanto mais perscrutadora é a sua vista, mais mal faz.

- Essa observação é inteiramente exacta - disse ele.

- E, contudo - prossegui -, se tais temperamentos fossem expurgados logo na infância e se cortassem as excrescências da família do futuro, comparáveis a massas de chumbo, que aí se desenvolvem por efeito da avidez, dos prazeres e dos apetites da mesma espécie, e que orientam a vista da alma para baixo; se, libertos desse peso, fossem orientados para a verdade, esses mesmos temperamentos vê-la-iam com a máxima nitidez, como vêem os objectos para os quais se orientam agora.

- É verosímil - reconheceu.

- Ora bem! Não é igualmente verosímil e necessário, de acordo com o que dissemos, que nem as pessoas sem educação e sem conhecimento da verdade nem as que deixamos passar toda a vida no estudo são aptas para o governo da cidade, umas porque não têm nenhum objectivo fixo a que possam referir tudo o que fazem na vida privada ou na vida pública, as outras porque não consentirão em encarregar-se disso, julgando-se já transportadas em vida para as ilhas afortunadas?

- É verdade - disse ele.

- Competir-nos-á, portanto, a nós, fundadores, obrigar os melhores caracteres a orientarem-se para essa ciência que há pouco reconhecemos como a mais sublime, a verem o bem e a procederem a essa ascensão; mas, depois de se terem assim elevado e contemplado suficientemente o bem, evitemos permitir-lhes o que hoje se lhes permite.

-O quê?





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