A República - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 32 / 290

— A justiça é um vicio? — Não, mas uma muito nobre simplicidade de carácter,

— Então a injustiça é perversidade de carácter?

— Não, é prudência.

— Será, Trasímaco, que os injustos te parecem sábios e bons?

— Sim — respondeu —, os que são capazes de cometer a injustiça com perfeição e de submeter cidades e povos. Pensas, talvez, que me refiro aos ratoneiros hábeis? Tais práticas são, sem dúvida, rendosas, enquanto não são descobertos; mas não merecem menção ao lado das que acabo de indicar.

— Concebo perfeitamente a tua ideia, mas o que me espanta é que ordenes a injustiça com a virtude e a sabedoria e a justiça com os seus contrários.

— Não obstante, é precisamente assim que os ordeno.

— Isto agrava-se, camarada — retorqui —, e não é fácil saber o que se pode dizer. Se, com efeito, admitisses que a injustiça dá proveito, concordando ao mesmo tempo, como alguns, que é vicio e coisa vergonhosa, poderíamos responder-te invocando as noções correntes sobre o assunto; mas, evidentemente, dirás que é bela e forte e conceder-lhe-ás todos os atributos que nós concedemos à justiça, visto que ousaste ordená-la com a virtude e a sabedoria.

— Adivinhas muito bem — disse ele. — Contudo, não devo recusar-me a prosseguir este exame enquanto puder acreditar que falas a sério. É que me parece, realmente, Trasímaco, que não é zombaria da tua parte e que exprimes a tua verdadeira opinião.





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