A República - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 64 / 290

- Por Zeus, Adimanto! - exclamei. - Nesse caso não devemos abandoná-la, por muito longa que seja!

- Por certo que não!

- Pois então, como se contássemos uma fábula para entreter, procedamos em espírito à educação desses homens.

- É o que devemos fazer.

- Mas que educação lhes daremos? Não é difícil encontrar uma melhor do que a que foi descoberta ao longo dos tempos? Ora, para o corpo temos a ginástica e para a alma a música.

- É isso.

- Não começaremos a sua educação pela música em vez de pela ginástica?

- Sem dúvida.

- Ora, compreendes os discursos na música ou não?

- Compreendo.

- E há duas espécies de discursos, os verdadeiros e os falsos?

- Sim, há.

-- Uns e outros entrarão na nossa educação ou começaremos pelos falsos?

- Não compreendo - disse ele - como o entendes.

- Não compreendes - respondi - que começamos por contar fábulas às crianças? Geralmente são falsas, embora encerrem algumas verdades. Utilizamos essas fábulas para a educação das crianças antes dos exercícios gímnicos.

- É verdade.

- Aqui tens porque é que eu dizia que a música deve preceder a ginástica.

- E com razão.

- Agora, não sabes que o começo, em todas as coisas, é o que há de mais importante, particularmente para um ser jovem e delicado? Com efeito, é sobretudo nessa altura que o modelamos e que ele recebe a marca que pretendemos imprimir-lhe.

- Com certeza.

- Assim, permitiremos, por negligência, que as crianças escutem as primeiras fábulas que lhes apareçam, forjadas por indivíduos quaisquer, e recebam nas suas almas opiniões quase sempre contrárias às que devem ter, em nosso entender, quando forem adultos?

- De modo nenhum o permitiremos.

- Portanto, parece-me que temos de começar por vigiar os fabricantes de fábulas, escolher as suas composições boas e rejeitar as más. Em seguida, convenceremos as amas e as mães a contarem aos filhos as que tivermos escolhido e a modelarem-lhes a alma com as suas fábulas muito mais do que o corpo com as suas mãos: mas a maior parte das que contam actualmente devem ser rejeitadas.

- Quais? - perguntou.

- Julgaremos as pequenas pelas grandes - respondi. - Com efeito, devem ser feitas segundo o mesmo modelo e produzir o mesmo efeito, grandes e pequenas; não achas?

- Sim - disse ele. - Mas não vejo quais são essas grandes fábulas de que falas.





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