O Retrato de Dorian Gray - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 238 / 335

Era alguma torpe paródia, alguma sátira infame e ignóbil. Nunca fizera aquilo. Contudo, era o retrato por ele pintado. Conhecia-o, e sentia que o sangue, ainda há momentos estuante, se lhe regelava de chofre. O retrato por ele pintado! Que significava aquilo? Porque se alterara assim? Voltou-se e olhou para Dorian Gray com olhos de doente. A boca tremia-lhe e a língua ressequida parecia impossibilitada de articular qualquer som. Passou a mão pela testa: estava empastada de suor.

O jovem, encostado ao rebordo do fogão, contemplava-o com aquela estranha expressão que se vê nas caras daqueles que estão absortos numa peça em que está representando um grande artista. Não denotava nem verdadeira dor, nem verdadeiro prazer, mas tão-somente a paixão do espectador, com um lampejo de triunfo a luzir-lhe, talvez, nos olhos. Arrancara a flor do casaco e entretinha-se a cheirá-la ou a fingir que a cheirava...

- Que significa isto? - bradou, por fim, Hallward.

- Há anos, quando eu era rapaz - disse Dorian Gray, amarfanhando a flor na mão - você encontrou-me, lisonjeou-me e ensinou-me a ter vaidade da minha formosura. Um dia apresentou-me a um amigo seu, que me explicou o prodígio da mocidade, e você acabou o meu retrato, que me revelou o prodígio da beleza. Num momento de desvairo, que, mesmo agora, não sei se lastimo ou não, eu exprimi um desejo; talvez você lhe chamasse uma prece...





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