- Recordo-me! Oh, que bem que me recordo! Não! É impossível! O quarto é húmido. O bolor atacou a tela. As tintas de que me servi tinham algum veneno mineral... Afirmo-lhe que era impossível.
- Ah, o que é impossível? - murmurou o jovem, dirigindo-se para a janela e encostando a testa ao vidro frio, embaciado pela geada.
- Você disse-me que o havia destruído.
- Fiz mal. Ele é que me destruiu.
- Não acredito que seja o retrato que eu pintei.
- Não pode ver nele o seu ideal? - perguntou Dorian, com amargor.
- O meu ideal, como você lhe chama...
- Como você lhe chamava.
- Não havia nele nada mau, nada vergonhoso. Você era para mim um ideal, como nunca mais encontrarei. Isto é a cara dum sátiro.
- É a cara da minha alma!
- Jesus! O que eu adorei! Tem olhos de demónio.
- Cada um de nós tem em si o Céu e o Inferno, Basil - exclamou Dorian, com um desabrido gesto de desespero.
Hallward voltou-se de novo para o retrato e contemplou-o.
- Meu Deus! se é verdade - disse -; se isto é o que fez da sua vida, você deve ser ainda pior do que imaginam os seus detractores!