A República - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 104 / 290

- Sim, muito mais.

- E pior oleiro?

- Muito pior oleiro, também.

- Por outro lado, se a pobreza o impede de arranjar ferramentas, ou qualquer outro dos objectos necessários à sua arte, o seu trabalho não sofrerá com isso? Não fará dos seus filhos e aprendizes maus operários?

- Como não?

- Portanto, uma e outra, pobreza e riqueza, perdem as artes e os artesãos.

- Aparentemente.

- E nós descobrimos, ao que parece, outras coisas sobre as quais os guardas devem velar muito atentamente, a fim de não penetrarem na cidade sem seu conhecimento.

- Quais?

- A riqueza e a pobreza - respondi -, dado que uma engendra o luxo, a preguiça e o gosto da novidade, a outra a baixeza e a maldade e igualmente o gosto da novidade.

- Perfeitamente - disse ele. - Contudo, Sócrates, examina isto: como é que a nossa cidade, não possuindo riquezas, estará apta a fazer a guerra, particularmente quando for forçada a lutar contra uma cidade grande e rica?

- É evidente - confessei - que a luta contra uma cidade assim é difícil, mas contra dois é mais fácil.

- Que queres dizer com isso? - perguntou.

- Em primeiro lugar - observei -, quando se tiver de chegar a vias de facto, os nossos atletas guerreiros não terão de combater homens ricos?

- Sim, terão - disse ele.

- Pois bem! Não achas, Adimanto, que um lutador treinado da melhor maneira possível é capaz de enfrentar facilmente dois lutadores ricos e gordos?

- Talvez não, pelo menos os dois ao mesmo tempo.

- Nem mesmo se ele conseguisse evitar o primeiro, depois, voltando-se, atacar o que o persegue e repetir muitas vezes esta manobra, debaixo de sol e grande calor? Um homem assim não venceria até mais de dois adversários?

- Sem dúvida, não faria nada de extraordinário.

- Mas não achas que os ricos conhecem melhor a ciência e a prática da luta do que as da guerra?

- Julgo que sim.

- Portanto, segundo as aparências, os nossos atletas lutarão facilmente contra homens duas e três vezes mais numerosos.

- Concordo contigo - disse ele -, porque me parece que tens razão.

- Pois quê! Se mandassem uma embaixada a outra cidade para dizer, o que seria verdade: «O ouro e a prata não são usados entre nós; não temos o direito de possuí-los, mas vós tendes esse direito. Combatei connosco e tereis os bens do inimigo.»





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