A República - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 115 / 290

- Oh! oh! Gláucon - exclamei, depois de ter olhado -, é provável que estejamos na boa pista; creio que a caça não nos escapará.

. - Boa notícia! - disse ele.

- Na verdade, não éramos muito clarividentes!

- Como?

- Desde há muito, homem feliz - desde o começo desta conversa -, que o objecto da nossa pesquisa parece rolar aos nossos pés e nós, grandes tolos, não o vimos! Como as pessoas que procuram às vezes o que têm nas mãos, em vez de olharmos para o que estava adiante de nós, examinávamos um ponto longínquo; foi talvez por isso que o nosso objecto se nos escapou.

- Que pretendes dizer? - perguntou.

- Isto - respondi -: creio que, de certa maneira, há muito que falamos da justiça sem disso nos darmos conta.

- Longo preâmbulo - disse ele - para quem deseja escutar!

- Pois bem! - repliquei .. - Vê se tenho razão. O princípio que estabelecemos de início, ao fundarmos a cidade, e que devia ser sempre observado, esse princípio ou uma das suas formas é, segundo me parece, a justiça. Ora estabelecíamos, e repetimo-lo muitas vezes, que cada um deve ocupar-se na cidade apenas de uma tarefa, aquela para a qual é mais bem dotado por natureza.

- Sim, dissemos isso.

- Mas que a justiça consiste em fazer o seu próprio trabalho e não interferir no dos outros. Ouvimo-lo dizer a muitos e nós próprios o dissemos muitas vezes.

- Efectivamente, dissemos.

- Assim - continuei -, esse princípio que ordena a cada um que desempenhe a sua função própria poderia ser, de certo modo, a justiça; sabes de onde extraio esta conjectura?

- Não - confessou. - Di-lo.

c - Creio que, na cidade, o complemento das virtudes que examinámos, moderação, coragem e sabedoria, é esse elemento que deu a todas o poder de nascerem e, após o nascimento, as preserva na medida em que está presente. Ora, dissemos que a justiça seria o complemento das virtudes procuradas, se descobríssemos as outras três.

- Necessariamente.

- Contudo - prossegui -, se tivéssemos de decidir qual dessas virtudes é a que, pela sua presença, contribui sobretudo para a perfeição da cidade, seria difícil dizer se é a conformidade de opinião entre os governantes e os governados, a salvaguarda, entre os guerreiros, da opinião legítima respeitante às coisas que são ou não de temer, a sabedoria e a vigilância entre os chefes, ou se o que contribui, sobretudo, para essa perfeição é a presença, na criança, na mulher, no escravo, no homem livre, no artesão, no governante e no governado, dessa virtude pela qual cada um se ocupa da sua tarefa própria e não interfere com a dos outros.





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