A República - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 159 / 290

- Mas, certamente, chamar-se-ia, com razão, ao não-ser um nada, e não uma determinada coisa.

- Com certeza.

- Por isso tivemos, necessariamente, de ligar o ser à ciência e o não-ser à ignorância.

- Fizemos bem.

- O objecto da opinião não é, portanto, nem o ser nem o não-ser.

- Não.

- E, por conseguinte, a opinião não é ignorância.

- Parece que não.

- Portanto, esta para além de ultrapassando a ciência em clareza ou obscuridade?

-Não.

- Então parece-te mais obscura que clara que a ignorância?

- Certamente - respondeu.

- Situa-se entre uma e outra?

- Sim, situa.

- A opinião é, portanto, qualquer coisa de intermédio entre a ciência

e a ignorância.

- Absolutamente.

- Ora, não dissemos anteriormente que, se descobríssemos uma coisa que fosse e não fosse ao mesmo tempo, essa coisa ocuparia o meio entre o ser absoluto e o nada absoluto e não seria o objecto nem da ciência nem da ignorância, mas do que pareceria intermédio entre uma e outra?

- Dissemo-lo com razão.

- Mas parece agora que esse intermédio é o que denominamos opinião.

- Assim parece.

- Resta-nos, portanto, descobrir, julgo eu, que coisa é essa que participa ao mesmo tempo do ser e do não-ser e que não é exactamente nem um nem outro: se a descobrirmos, chamar-lhe-emos com justeza objecto da opinião, consignando os extremos aos extremos e os intermédios aos intermédios, não é assim?

- Sem dúvida.

- Por isto, que me responda, direi eu, esse bom homem que não acredita na beleza em si mesma, na ideia do belo eternamente imutável, mas reconhece apenas a multidão das coisas belas, esse amador de espectáculos que não suporta que se afirme que o belo é uno, assim como o justo e as outras realidades semelhantes. «Entre esse grande número de coisas belas, excelente homem», dir-lhe-emos, «Há uma que não possa parecer feia? ou, entre as justas, injusta? ou, entre as santas, profana?»

- Não, é forçoso que as mesmas coisas, de certa maneira, pareçam belas e feias, e assim por diante.

- E os numerosos dobros? Podem parecer menos metades do que dobros?

- De maneira nenhuma.

- Digo o mesmo quanto às coisas que se dizem grandes ou pequenas, pesadas ou leves; cada uma destas qualificações convém-lhes mais que a qualificação contrária?

- Não, participam sempre de uma e outra.

- Essas numerosas coisas são mais do que não são o que se diz que são?





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