A República - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 168 / 290

- Mas - perguntou - que degradações são essas de que falas?

- Tentarei - respondi -, se for capaz, descrever-tas. Toda a gente concordará connosco, espero, que esses temperamentos, reunindo todas as qualidades que exigimos ao filósofo completo, aparecem raramente e em pequeno número; não achas?

- Por certo.

- Para essas raras naturezas, considera agora como são numerosas e fortes as causas de destruição.

- Quais são elas?

- O mais estranho de entender é que cada uma das qualidades que louvámos perde a alma que a possui e arranca-a à filosofia: quero dizer a coragem, a moderação e as outras virtudes que enumerámos.

- É muito estranho para entender - confessou.

- Além disso - retorqui -, tudo aquilo a que se dá o nome de bens perverte a alma e afasta-a da filosofia: beleza, riqueza, poderosas alianças na cidade e todas as outras vantagens desta espécie; tens, sem dúvida, uma ideia geral das coisas a que me refiro.

- Sim, mas gostaria de te ver precisá-las melhor.

- Nesse caso, compreende bem este princípio geral: parecer-te-á muito claro e o que acabo de dizer a propósito não terá nada de estranho para ti.

- Como - perguntou - queres que eu faça?

- Todo o germe - respondi - ou todo o rebento, quer se trate de plantas ou de animais, que não encontra o alimento, o clima e o local que lhe convém exige, como sabemos, tantos mais cuidados quanto mais vigoroso for, dado que o mal é mais contrário ao que é bom do que ao que não o é.

- Sem dúvida.

- Está, portanto, de acordo com a razão de que uma natureza excelente, sujeita a um regime contrário, se torne pior do que uma natureza medíocre.

-Assim é.

- Não diremos também, Adimanto, que as almas mais felizmente dotadas, quando recebem uma má educação, se tornam más no mais alto grau? Ou achas que os grandes crimes e a perversidade pura provêm de uma medíocre e não de uma vigorosa natureza e que uma alma fraca nunca faz grandes coisas, seja para bem, seja para mal?

- Não, penso como tu.

- Se o temperamento que atribuímos ao filósofo recebe o ensino que lhe convém, é forçoso que, ao desenvolver-se, alcance todas as virtudes; mas, se foi semeado, cresceu e procurou o alimento num solo que não lhe convinha, é forçoso que manifeste todos os vícios, a não ser que um deus o proteja.





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