A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 201 / 290

- Mas, na realidade - repliquei -, não há necessidade para isso de muita geometria e de muito cálculo. Portanto, é preciso examinar se a especialidade desta ciência e as suas partes mais avançadas tendem para o nosso objectivo, que consiste em fazer ver mais facilmente a ideia do bem. Ora, tende para isso, segundo dizemos, tudo o que força a alma a voltar-se para o ponto onde reside o mais feliz dos seres, que, de qualquer modo, ela deve contemplar.

- Tens razão.

- Por conseguinte, se a geometria obriga a contemplar a essência, interessa-nos; se fica pela transformação, não nos interessa.

- É a nossa opinião.

- Ora, nenhum daqueles que sabem um pouco de geometria nos contestará que a natureza desta ciência é directamente oposta à linguagem que empregam os que a praticam.

- Como? - inquiriu.

- Não há dúvida de que essa linguagem é muito ridícula e miserável; com efeito, é como homens de prática, que têm em vista as aplicações, que :alam de esquadriar, de construir sobre uma linha, de acrescentar, e que fazem ouvir outras palavras semelhantes, quando toda esta ciência não tem outro objecto além do conhecimento.

- É inteiramente verdade.

- Não temos de admitir também isto?

- O quê?

- Que ela tem por objecto o conhecimento do que é sempre, e não do que nasce e perece.

- É fácil admiti-lo - disse ele. - Com efeito, a geometria é o conhecimento do que é sempre.

- Por conseguinte, meu nobre amigo, ela atrai a alma para a verdade e desenvolve esse espírito filosófico que eleva para as coisas do alto os olhares que erradamente baixamos para as coisas deste mundo.

- Sim, produz esse efeito, na medida do possível.

- Portanto, é preciso, na medida do possível, prescrever aos cidadãos da tua Calípole que não desprezem a geometria; aliás, ela tem vantagem secundárias que não são para menosprezar.

- Quais?

- As que tu mencionaste - respondi - e que dizem respeito à guerra; além disso, no que se refere a compreender melhor as outras ciências, sabemos que há uma diferença absoluta entre o que é versado na geometria e o que não o é.

- Sim, por Zeus, absoluta!

- Eis, pois, a segunda ciência que prescreveremos aos jovens.

- Prescrevamo-la - disse ele.

- E, agora, será a astronomia a terceira ciência? Que te parece?





Os capítulos deste livro