A República - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 211 / 290

- Porque o homem livre não deve aprender como escravo; com efeito, quando os exercícios são praticados à força, o corpo não se encontra pior por isso, mas as lições que se fazem entrar à força na alma não ficam aí.

- É verdade.

- Assim, excelente homem, não uses de violência na educação das crianças, mas procede de modo que se instruam brincando: poderás assim discernir melhor as tendências naturais de cada uma.

- Essas palavras são sensatas.

- Lembras-te - perguntei - do que dissemos mais acima: que era preciso levar as crianças à guerra em cavalos, como espectadoras, e, quando se pudesse fazê-lo sem perigo, aproximá-las da luta e fazê-las provar o sangue, como aos cães novos?

- Lembro-me - respondeu.

- Em todos estes trabalhos - prossegui -, estes estudos e alarmes, aquele que se mostrar constantemente mais ágil será posto num grupo à parte.

- Com que idade?

- Quando acabar o curso obrigatório de exercícios gímnicos; é que este tempo de exercício, que será de dois a três anos, não poderá ser aplicado noutra coisa, sendo a fadiga e o sono inimigos do estudo; por outro lado, uma das provas, e não a menor, consistirá em observar como cada um se comporta nos exercícios gímnicos.

- Certamente - disse ele.

- Depois deste tempo, os que tivermos escolhido entre os jovens chegados aos vinte anos obterão distinções mais honrosas que os outros e apresentar-se-lhes-ão em conjunto as ciências que estudaram sem ordem na infância, a fim de que abarquem num rápido olhar as relações dessas ciências entre elas mesmas e a natureza do ser.

- Com efeito, só um conhecimento assim - disse ele - se fixa solidamente na alma em que penetra.

- Constitui também um excelente meio de distinguir o espírito predisposto à dialéctica daquele que não o está: o espírito sinóptico é dialéctico, os outros não o são.

- Sou da tua opinião.

- É, portanto, uma coisa que terás de examinar - continuei - e aqueles que, com as melhores inclinações neste sentido, forem sólidos nas ciências, sólidos na guerra e nos outros trabalhos prescritos pela lei, esses, quando completarem trinta anos, serão extraídos do número dos jovens já escolhidos para se lhes conceder maiores honras e descobrir, experimentando-os pela dialética, quais são os que, sem a ajuda dos olhos nem de nenhum outro sentido, podem erguer-se até ao próprio ser apenas pela força da verdade; e esta é uma tarefa que exige muita atenção, camarada.

- Porquê? - perguntou.

- Não notas - respondi - o mal que actualmente atinge a dialéctica e os progressos que faz?

- Que mal?

- Os que se entregam a ela - disse eu - estão cheios de desordem.





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