A República - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 6 / 290

— As tuas palavras estão cheias de beleza, Céfalo — admiti. — Mas essa virtude, a justiça, afirmaremos simplesmente que consiste em dizer a verdade e restituir o que se recebeu de alguém ou que agir deste modo é umas vezes justo e outras injusto? Eu explico-o assim: toda a gente concorda que, quando se recebem armas de um amigo são de espírito que, tendo enlouquecido, as reclama, não se lhas devem restituir e quem lhes restituísse não seria justo, como não o seria quem quisesse dizer toda a verdade a um homem nesse estado.

— É exacto — disse ele.

— Portanto, esta definição não é a da justiça: dizer a verdade e restituir 0 que se recebeu.

— Claro que é, Sócrates — interveio Polemarco —, pelo menos se acreditarmos em Simônides.

— Bem, bem!—atalhou Céfalo.—Confio-lhes a discussão, pois já é tempo de me ocupar do sacrifício.

— Não sou eu teu herdeiro? — inquiriu Polemarco.

— Sem dúvida — respondeu ele a rir; e foi-se para o seu sacrifício.

— Diz-nos então — perguntei —, tu, o herdeiro do discurso, o que Simónides afirma e tu aprovas a respeito da justiça.

— Que é justo — disse ele—restituir o que se deve a alguém; no que me parece ter razão.

— Evidentemente — repliquei — não é fácil negar crédito a Simónides, homem, com efeito, sábio e divino; contudo, o que ele quer dizer, talvez tu, Polemarco, o saibas, mas eu ignoro-o; porque é evidente que não afirma o que dizíamos há pouco: que se deve restituir um depósito a alguém que o reclama depois de ter perdido a razão. Todavia, o que nos foi confiado é devido, não é?

— Sim, é.

— E de maneira nenhuma deve ser restituído quando aquele que o reclama não é são de espírito?





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