- É inteiramente verdade - disse ele.
- Portanto - prossegui -, não é neste homem que devemos procurar o juiz bom e sábio, mas no primeiro. Com efeito, a perversidade não poderia conhecer-se a si mesma e conhecer a virtude, ao passo que a virtude de uma natureza cultivada pela educação conseguirá, com o tempo, conhecer-se a si mesma e conhecer o vício. É, portanto, ao homem virtuoso, parece-me, e não ao mau, que compete tornar-se hábil.
- Também a mim me parece.
- Assim, estabelecerás na cidade médicos e juízes tais como os descrevemos, para tratarem os cidadãos que são bem constituídos de corpo e alma; quanto aos outros, deixaremos morrer os que têm o corpo enfermiço; os que têm a alma perversa por natureza e incorrigível serão condenados à morte.
- É certamente o melhor que há a fazer para os próprios doentes e para a cidade.
- Mas é evidente - prossegui - que os jovens se precaverão de ter necessidade de juízes se cultivarem essa música simples que, dizíamos nós, engendra a temperança.
- Sem dúvida.
- E não é verdade que, seguindo as mesmas indicações, o músico que pratica a ginástica conseguirá dispensar o médico, excepto nos casos de urgência?
- Creio que sim.
- Mesmo nos seus exercícios e trabalhos, propor-se-á estimular a parte generosa da sua alma, de preferência a aumentar a sua força, e, como os outros atletas, não regulará a sua alimentação e os seus esforços com vista ao vigor corporal.
- Certíssimo - disse ele.
- Ora, Gláucon - perguntei -, os que fundamentaram a educação na música e na ginástica fizeram-no para formar o corpo por meio de uma e a alma por meio de outra?
- Porquê essa pergunta?
- É possível- respondi - que uma e outra tenham sido estabelecidas principalmente para a 'alma. - Como assim?
- Não notaste qual é a disposição de espírito dos que se entregam à ginástica durante toda a vida e não se interessam pela música?