- Assim é - disse ele.
- Nesse caso, creio que um tal homem se torna inimigo da razão e das Musas; já não se serve do discurso para persuadir; alcança em tudo os seus fins pela violência e a selvajaria, como um animal feroz, e vive no seio da ignorância e da grosseria, sem harmonia e sem graça.
- É perfeitamente exacto.
- Aparentemente, para estes dois elementos da alma, o corajoso e o filosófico, um deus, direi eu, deu aos homens duas artes, a música e a ginástica; não os deu para a alma e para o corpo, a não ser por incidência, mas para aqueles dois elementos, a fim de que se harmonizem entre si, sendo esticados ou soltos até ao ponto conveniente.
- Assim parece.
- Por conseguinte, aquele que associa com mais beleza a ginástica
à música e, com mais tacto, as aplica à sua alma, esse, di-lo-emos com toda a justiça, é músico perfeito e perfeito harmonista, muito mais do que aquele que afina entre si as cordas de um instrumento.
- Di-lo-emos com toda a justiça, Sócrates.
- Portanto, Gláucon, precisaremos também na nossa cidade de um chefe capaz de regular esta associação, se quisermos salvar a nossa constituição.
- Por certo que precisaremos, e muito.
- É este o nosso plano de ensino e educação nas suas linhas gerais; com efeito, para quê alongarmo-nos sobre as danças dos nossos jovens, as suas caças com ou sem matilha, as suas competições gímnicas e hípicas? É suficientemente claro que as regras a seguir nisso dependem das que já estabelecemos e não é difícil descobri-las.
- Talvez - disse ele - não seja difícil.
-Admitamo-lo - prossegui. - Depois disso, que nos falta determinar? Não é a escolha dos cidadãos que devem mandar ou obedecer?
- Sem dúvida.
- Ora, é evidente que os velhos deverão mandar e os novos obedecer.
- É evidente.
- E que entre os velhos é preciso escolher os melhores.
- É evidente também
- Mas os melhores entre os agricultores não são os mais aptos a cultivar a terra?
- São.
- Portanto, não é forçoso que os nossos chefes, visto que devem ser os melhores entre os guardas, sejam os mais aptos a guardar a cidade?
-Assim é.
- E isso não exige inteligência, autoridade e dedicação à coisa pública?
- Com certeza.