Contos de Mistério - Cap. 8: O ESPELHO DE PRATA
(The silver mirror) Pág. 153 / 167

Por isso quero anotá-las enquanto estão frescas, nem que seja para me afastar um pouco dos meus intermináveis algarismos.

Tenho no meu quarto um velho espelho emoldurado a prata. Deu-mo um amigo que tinha gosto pelas antiguidades e que, creio, o comprou num leilão, sem nada saber da sua proveniência. É um objecto de grandes dimensões: setenta centímetros de altura por um metro de largura.

Enquanto escrevo, estou a vê-lo, inclinado por cima de uma cómoda. A moldura é lisa, com sete centímetros de largura, e muito velha, demasiado velha para que a marca do contraste ou outra qualquer permita determinar-lhe a idade. O espelho sai para fora da moldura: talhado em bisel, possui aquele magnífico poder de reflexão que só se encontra, parece-me, nos espelhos muito antigos. Quando nele nos contemplamos ficamos com uma impressão de perspectiva que nenhum espelho moderno transmite.

O espelho acha-se disposto de tal modo que, sentado à minha mesa, apenas posso ver o reflexo dos cortinados vermelhos da janela. Mas aconteceu-me esta noite uma coisa singular. Tinha trabalhado durante algumas horas, violentando-me realmente, e apesar dos contínuos nevoeiros da vista de que já falei. Devia, a cada instante, parar para esfregar os olhos. Numa destas paragens, fitei fortuitamente o espelho. Tinha um aspecto muito insólito. Os cortina dos vermelhos que lá se deveriam reflectir já ali não estavam; o espelho parecia velado por uma nuvem, não à superfície, que luzia como o aço, mas em profundidade, na própria matéria. Esta opacidade, enquanto eu a observava, pareceu rolar lentamente de um lado para o outro; depois, um espesso vapor branco pôs-se a girar em pesadas espirais. Isto era tão real, tão sólido, e eu em tão perfeito estado mental, que me recordo de que me voltei certo de que o fogo pegara aos cortinados.





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