Contos de Mistério - Cap. 8: O ESPELHO DE PRATA
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Descansar? Ora essa! Tirarei uma semana de férias depois do processo.

Sem dúvida fui parvo em ter ido consultar o doutor. Mas quando trabalho sozinho, de noite, todos os meus nervos ficam tensos. Não é o sofrimento, não; apenas uma espécie de excesso por baixo do crânio e nevoeiros passageiros diante da vista. Supunha que brometo, ou cloral, ou outra droga qualquer deste género, me fizessem bem. Quanto a interromper o trabalho, essa simples ideia é absurda. Sinto o género de mal-estar que sucede habitualmente a uma longa corrida: começamos por nos sentirmos estranhos, depois o coração bate com força, os pulmões arquejam. Por pouca coragem que se sinta para continuar, isto passa muito depressa. Obstino-me no trabalho e aguardo que passe. Se não passar, continuo a obstinar-me. Dois livros de registos estão feitos. Já ataquei o terceiro. O tratante dissimulava bem os seus roubos, mas isso não impede que eu os descubra.

9 de Janeiro. Não pensava voltar ao médico. Tive que decidir-me a fazê-lo. "O senhor trabalha de mais. Arrisca-se a um esgotamento nervoso e compromete a sua saúde." Eis o que ele me declarou sem rodeios. Não interessa, persisto. Aceito o risco. Enquanto me aguentar numa cadeira, enquanto a pena não me escapar dos dedos, darei caça ao meu canalha.

Na verdade, seria aqui o lugar para contar o incidente bizarro que me levou ao doutor. Desejo guardar uma recordação exacta das minhas perturbações. Além disso, com efeito, embora contenham em si interesse bastante para se prestarem, conforme a expressão do doutor, a "um curioso estudo psicofisiológico", tenho a convicção de que uma vez desembaraçado delas me parecerão algo incerto e irreal, como aqueles sonhos que fazemos entre o sono e o estado de vigília.





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