Contos de Mistério - Cap. 8: O ESPELHO DE PRATA
(The silver mirror) Pág. 157 / 167

Mas, à medida que olhei mais fixamente ou que a visão se definiu melhor, descobri que era uma mão de homem, contraída pelo desespero, e que se agarrava à roupa num apertão convulsivo. O resto da figura abatida permanecia vago; mas esta mão vigorosa que se destacava a claro naquele fundo escuro assumia um sentido trágico. O homem tem medo, horrivelmente medo. Distingo isto facilmente. De onde lhe chega este medo? Por que se agarra sofregamente ao vestido da mulher? É o que me explicam os movimentos das personagens do segundo plano. Ameaçam-no. Hipnotizado pelo espectáculo, esquecido da sua relação com os meus nervos, eu mirava, mirava sem descanso, de olhos esbugalhados, como se passa no teatro. Mas não pude ir mais longe. O nevoeiro espessou-se. Houve movimentos tumultuosos em que se misturaram todas as figuras. E o espelho recuperou a sua transparência.

O doutor aconselhou-me uma paragem de vinte e quatro horas. Posso permitir-mo, pois adiantei imenso o meu trabalho nestes últimos dias. Sem contradição, as minhas visões dependem unicamente do meu estado nervoso porque pude, esta noite, permanecer em vão durante uma hora em frente do espelho. Um dia de descanso repôs tudo em ordem. Pergunto-me se terei alguma vez a explicação do enigma. Há pouco, examinei o espelho a uma boa luz, e acabei por apanhar, além da misteriosa inscrição "Sanc. X. Pal.", certos sinais heráldicos muito fracamente visíveis na prata da moldura. Devem datar de tempos muito longínquos, porque estão quase sumidos. Julguei reconhecer três ferros de lança, dois em cima, um em baixo. Hei-de mostrá-los ao doutor se ele vier falar comigo amanhã.

14 de Janeiro. Sinto-me novamente muito bem, em condições de chegar sem paragens ao fim da minha tarefa.





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