Eneida - Cap. 6: Eneias no Mundo das Sombras Pág. 115 / 235

Com estas palavras, Eneias procurava abrandar a cólera que se derramava pelo olhar do espírito da rainha, e chorava. Ela, irritada, conservava os olhos fitos no solo, não movendo sequer o rosto às palavras dele, à semelhança de uma estátua de pedra ou de mármore. Finalmente, afastou-se, fugindo para a floresta sombria, onde o antigo esposo Siqueu lhe acalmava as dores, igualando-a no amor. Eneias, comovido com a triste sorte que o Destino reservara à infeliz, seguiu-a por longo tempo chorando, compadecido.

Prosseguiram na jornada, entrando logo nos campos ocupados pelos varões ilustres, mortos na guerra. Lá lhes saíram ao encontro Tideu e Parténofe, afamados pela guerra contra Tebas, e o fantasma pálido de Adastra, rei de Argos, e muitos outros valentes príncipes, tanto troianos quanto gregos, vidas ceifadas na grande guerra de Tróia. Eneias, vendo-os em longa fila, chorava o destino dos grandes guerreiros e as almas acercaram-se dele. Aprazia-lhes a visão do herói, caminhavam a seu lado e inquiriam-no sobre os motivos da sua vinda. No entanto, os inimigos, das falanges de Agamémnon, começaram a tremer, vendo Eneias nas suas roupas e armas que reluziam na sombra. Enquanto alguns lhe viravam as costas, saindo em desabafada correria, como faziam na guerra, procurando abrigo atrás das muralhas que tinham construído em torno dos navios, outros abriam os lábios tentando soltar bradas de guerra, mas nem sequer um suspiro safa das suas bocas abertas.

Ali encontrou Deífobo, filho de Príamo, o corpo todo despedaçado, cruelmente golpeado no rosto, tendo ambas as mãos e o nariz cortados com golpes terríveis, a testa ferida e as orelhas decepadas. Vendo-o, Eneias percebeu que o herói procurava esconder os ferimentos e chamou-o então:

— Ó omnipotente Deífobo, tão nobre descendência de Dárdano, quem te infligiu tão cruéis castigos? A quem foi permitido tanto contra ti? A última noticia de ti dizia-me que, cansado com tão grande carnificina dos pelasgos, tinhas caldo sobre um monte de homens mortos e feridos. Eu mesmo te levantei no litoral uma sepultura vazia e três vezes te invoquei a alma em altas vozes. O teu nome e as tuas armas guardam aquele lugar, pois não pude, ó amigo, encontrar-te o corpo.





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