Eneida - Cap. 1: A Queda de Tróia Pág. 18 / 235

Não podendo procurá-la, lançou-se então pelos portões e atravessou a planura, correndo, até subir o outeiro, onde estava o templo de Ceres, deusa do trigo dourado. Fazendo descer então a sua preciosa carga, Eneias andou entre os companheiros e verificou que todos ali estavam. Só faltava a sua esposa.

Indignou-se, então, com os deuses e com os homens, na sua perturbação e cólera. Aquilo suplantava em dor tudo o que sofrera, vendo e ouvindo a queda de Tróia e a morte de seus filhos. Escondeu os seus companheiros num vale sombrio, bem como o menino e o seu pai, a quem confiou a guarda dos penares troianos. Nada lhe importava mais. Decidiu retornar à cidade, cingir as armas e lançar-se de novo à rua, disposto a arrostar todos os perigos.

Inicialmente, caminhou para as muralhas e, pela noite dentro, percorreu novamente o caminho seguido na fuga, rebuscando os vãos escuros dos portões. Por toda parte, olhava horrorizado a desolação e o silêncio da cidade agonizante. A sua casa, ocupada pelos gregos, era presa das chamas até aos mais altos cumes dos telhados. Aproximou-se do palácio de Príamo e da cidadela. Lá no templo de Juno, Fénix e Pirro recolhiam e guardavam o botim. De todos os lados chegavam os guerreiros com os tesouros arrebatados aos santuários e ao palácio: pedras, taças de ouro e prata e ricas vestimentas. As crianças e as mães, cativas, esperavam em longa fileira, apavoradas. Apesar do perigo, Eneias chamava por Creusa em alta voz, bradando em vão pela esposa nas sombras escuras.

Já cansado de percorrer as ruas sem rumo, eis que lhe apareceu à frente o fantasma da esposa, maior que a sua figura terrena. Ficou estupefacto, eriçaram-se-lhe os cabelos e a voz prendeu-se-lhe na garganta. Acalmando-o, passou o espírito a falar-lhe:

— Ó querido esposo, por que tanto te entregas a essa dor inútil? Tais coisas não acontecem à revelia dos deuses, nem quer Júpiter que leves Creusa como tua companheira. Esperam-te vastas extensões de mares e um longo exílio. Chegaras a Itália, que os gregos chamam Hespéria, e lá, onde o Tibre corre por entre os campos férteis, te espera um novo reino, que fundarás, e uma nova esposa. Esquece, pois, tua querida Creusa. Eu, como descendente de Dárdano e nora da deusa Vénus, não verei, ao menos, a Grécia, nem servirei de escrava a seus soberbas senhores, pois a grande mãe assim me resolveu conservar nesta terra. E agora, adeus, e cuida bem do nosso filho.
 





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