Eneida - Cap. 1: A Queda de Tróia Pág. 5 / 235

O bom rei Príamo, a quem subiram as lágrimas aos olhos, ouvindo aquela história repleta de mentiras, foi o primeiro a desamarrar-lhe os atilhos, dizendo:

— Quem quer que sejas, esquece a partir deste momento os gregos traiçoeiros, pois serás um dos nossos. Agora diz-me a verdade sobre estas muitas coisas que te interrogo. Para que construíram este enorme cavalo? De quem foi a ideia? Que pretendem com tal coisa? É acto de fé ou máquina de guerra? Vamos, fala.

Sinão, expoente da astúcia e perfídia gregas, levantou para os astros as mãos já livres das cadeias e exclamou:

— Ó fogos eternos, invoco-vos como testemunhas da verdade, a vós e à vossa divindade inviolável! A vós, altares e espadas pérfidas, aos quais fugi, e a vós, fitas sagradas que trouxe comigo! Posso agora renegar os juramentos sagrados de fidelidade aos meus, posso odiá-los e tudo dizer, pois já não estou ligado à pátria por quaisquer laços. Só espero que tu, Tróia, mantenhas as promessas de me poupar a vida, se eu contar a verdade e te prestar um grande serviço. Toda a esperança dos gregos nessa guerra indefinida sempre esteve depositada no auxilio de Minena. No entanto, desde que esses dois ímpios, Diomedes, filho de Tideu, e Ulisses, filho de Laerte, ousaram cometer o crime monstruoso de atacar o santuário da deusa, matar-lhe os guardas e roubar a sagrada efígie, ainda com as mãos tintas de sangue, desde aquele instante a sorte passou a ser-lhes adversa, o animo abateu-se-lhe e as suas forças fraquejaram, pois fora-lhes retirada a protecção da deusa. E não ficaria Minerva sem mostrar-lhe, por prodígios tremendos, o seu desagrado. Nem bem os gregos colocaram a estátua da deusa guerreira na praça do seu acampamento, quando chamas brilhantes lhe saíram dos olhos ameaçadores, suor salgado desceu pelos seus membros e três vezes saltou a imagem no ar, caindo, depois, no chão, com o escudo a vibrar e a lança a tremer. De imediato, Calcante aconselhou a fuga pelos mares, pois os augúrios terríveis indicavam que Tróia não poderia ser destruída pelas armas gregas a não ser que — depois de consultarem os oráculos em Argos — voltassem inesperadamente com os deuses domésticos, mais armas e tropas frescas.





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