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Capítulo 6: Capítulo 6

Página 26

E onde irei eu? Ao Inferno? Espero que a divina justiça se apiedasse dele na hora dos últimos arrependimentos. Ao Purgatório, ao empírio? Apesar do exemplo da Divina Comédia, não me atrevo a fazer comédias com tais lugares de cena — e não sei, não gosto de brincar com essas coisas.

Não lhe vejo remédio senão recorrer ao bem parado dos Elíseos, do do Estige, do Cocito e seu termo: são terrenos neutros em que se pode parlamentar com os mortos sem comprometimento sério, e...

Eis-me aí no erro de Camões — e nas unhas dos críticos; e as zagunchadas a ferver em cima de mim, que fiz, que aconteci.

Mas, senhores, ponderem, venham cá: o que há-de um homem fazer? O Dante não sei que gíria teve, que baptizou Públio Virgílio Marão para lhe servir de cicerone nas regiões do Inferno, do Paraíso e do Purgatório cristão, e teve tão boa fortuna que nem o queimou a Inquisição nem o descompôs a Crusca, nem sequer o mutilaram os censores, nem o perseguiram delegados por abuso de liberdade de imprensa, nem o mandaram para os dignos pares... Não se tinham ainda descoberto as mangações liberais que se usam hoje: e as cartas que o povo tinha era a liberdade ganha e sustentada à ponta da espada com muito coração e poucas palavras, muito patriotismo, poucas leis... e menos relatórios. Não havia em Florença nem gazeta para louvar as tolices dos ministros, nem ministros para pagar as tolices da gazeta.

O Dante foi proscrito e exilado, mas não se ficou a escrever, deu catanada que se regalou nos inimigos da liberdade da sua pátria.

Quem dera cá um batalhão de poetas como aquele!

Que fosse porém um triste vate de hoje escrever no século das luzes o que escrevia o Dante no século das trevas! Os próprios filósofos gritavam: Que escândalo! Ateus professos clamavam contra a irreverência; gentes que não têm religião, nem a de Mafoma, bradavam pela religião: entravam a pôr carapuças nas cabeças uns dos outros, caíam depois todos sobre o poeta, e — se o não pudessem enforcar, pelo menos declaravam-no republicano, que dizem eles que é uma injúria muito grande.

Nada! viva o nosso Camões e o seu maravilhoso mistifório; é a mais cómoda invenção deste mundo: vou-me com ela, e ralhe a crítica quanto quiser.

Quero procurar no reino das sombras não menor pessoa que o marquês de Pombal: tenho que lhe fazer uma pergunta séria antes de chegar ao Cartaxo.

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Páginas: 41
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Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 7
Capítulo 3 11
Capítulo 4 15
Capítulo 5 19
Capítulo 6 23
Capítulo 7 29
Capítulo 8 34
Capítulo 9 37