Pareceu-me que eu seria estranhamente recebido, se me andasse por Benfica em serenatas, que este século de ferro moteja, com bazófia de ilustrado, ilustração oca e estéril, que funda toda em regalos corporais, despe o coração da sua poesia nativa e tira ao amante o suave desafogo de formar ao século, em vez de cantigas, poetei em verso em decassílabo, predominando no sáfico, alternando com o alexandrino, e intercalando tudo de estribilhos de redondilha menor. Era cataplasma para fazer supurar o coração mais cru!
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No dia imediato fui, purpureado de cândido pejo, passar em Benfica. Este pejo é o meu elogio. Um verdadeiro amor é segunda inocência. Tal máxima, que eu atiro à circulação, deve ser a defesa de muitas senhoras de certa idade e de certos costumes, que respondem com imprevistas esquivanças às audácias de amantes, que as assediam com ares de César, pensando que chegar, ver e vencer é tudo o mesmo. O mundo chama matreiras a essas damas; e eu, que sei mais do coração humano que o trivial, digo e juro que é uma segunda inocência com os adoráveis sustos do pudor, que as torna esquivas. Eu tenho encontrado muito disto em peitos antigos. Se eu pudesse transfundir em corpos tenros os corações sensíveis que tenho conquistado em senhoras de uma idade anticanónica, a felicidade não seria a sede de Tântalo. O meu erro tem sido procurar a alma amante e sisuda na mulher dos vinte anos e a formosura e a graça na de cinquenta. A primeira é um sinal que todos me cobiçam; a segunda é um bem que ninguém me questiona. Não me serve nenhuma, por isso.
Voltando ao conto:
D. Paula de Albuquerque viu-me através das vidraças e gesticulou entre as fitas algumas das flores da grinalda. Jubilei doidamente no secreto do meu coração e compreendi o porquê de chamarem aos poetas antigos videntes, que soa como profetas.