À saída do teatro, notei que Paula me encarara com o leque de dentro da carruagem. Rarefez-se a nuvem negra da zombaria. Recolhi-me feliz ao Grémio Literário, e fui nessa noite eloquente em teorias de amor.
Às duas horas do dia seguinte, quando eu estava escrevendo as comoções alegres da noite desvelada, recebi uma carta da posta-interna. Conheci a letra de Paula. Parou-me o sangue no peito; tremiam-me as mãos como se as tomasse o horror de profanarem a missiva do anjo. Abri, e vi que eram versos. Versos! O idioma primitivo do coração! Os suspiros metrificados! A expressão suprema do amor que se envergonha de expandir-se em prosa!... Ó júbilo intumescente!
Li:
Ao terno cantor, que n'alma
Tem da amante o nome escrito,
Solitária amante envia
Saudades do periquito.
“Será isto escárnio?!”, exclamei. Respondeu-me a seguinte quadra:
Ao meigo vate, que eu amo
Com amor casto e infinito,
Manda um doce e ardente beijo
O saudoso periquito.
Não tive alma para ler o terceiro insulto, que mais tarde pude ver:
Na rocha alpestre
Vaga Silvestre
Todo aflito;
Na grande testa
O vento intesta
Com rouco grito,
E ele a gemer
E o eco a dizer:
“Ó periquito!”
a letra destes ignominiosos versos era de Maria da Piedade; mas nem por isso fica sendo menos criminosa Paula, que sobrescritara a carta.
A dor empedrou-me. Grande é a angústia do homem que de si próprio quer esconder o seu aviltamento!
***
Este insulto foi providencial. Foi como mão de ferro, que me apertou o coração até esvurmar dele as fezes do vilipendioso amor. Saí de Lisboa, no mais agreste do Inverno, e fui para Santarém, onde vi o santo milagre largamente contado no livro das viagens do adorável poeta da Joaninha do Vale.
Estava, naquela estação, desabrida em Santarém a natureza.