Saí, portanto, da minha aldeia e fui para o Porto expor com desassombro ao sol da civilização os meus talentos em matéria de governação pública.
Fiquei grandemente surpreendido e embaçado quando cheguei ao Porto e dei fé que ninguém se ocupava a falar de mim! À mesa-redonda do hotel onde me hospedei tratou-se o assunto da política; e, como era essa a feliz conjunção de eu divulgar o meu nome, encaminhei habilmente a controvérsia, até me declarar Silvestre da Silva, autor dos artigos epigrafados “Os Portugueses na balança do mundo”.
Ninguém me conheceu o nome, a não ser um literato localista, que teve a audácia de me dizer que os meus artigos tresandavam ao montezinho e que as minhas ideias entouriam o estômago intelectual como se fossem castanhas cozidas. Donde ele concluía que a minha literatura tinha a cor local dos meus alimentos e denunciavam a morosidade das minhas digestões.
Devo a este lorpa a popularidade que alcancei logo aos primeiros dias da minha chegada. Àqueles sarcasmos respondi com um murro de consistência provinciana, murro que devia também ter a cor local da pesada digestão das castanhas. O literato desafiou-me e teve a bravura de me propor um duelo à pistola à ponta de lenço. Responderam os meus padrinhos que eu optava pelo murro à ponta do nariz. Com esta pequena modificação à sua proposta, o localista retirou a honra da peleja e desafogou na secção das locais, chamando-me onagro e vários adjetivos, cujo período eu lhe arredondei com um puxão de orelhas na primeira ocasião.
Assim, pois, inaugurei a minha entrada no Porto.
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Naquele tempo, a cidade heroica estava muito mais adiantada em policiamento que hoje. Uma dúzia das principais famílias abriam frequentemente os seus salões e rivalizavam na profusão do serviço.