O Primo Basílio - Cap. 13: CAPÍTULO XIII Pág. 361 / 414

A convulsão das pernas arregaçara-lhe as saias, viam-se as suas canelas magras com meias de riscadinho cor-de-rosa e as chinelas de tapete; o candeeiro de petróleo, que Sebastião esquecera ao pé sobre uma cadeira, punha tons lívidos na testa, nas faces rígidas; a boca torcida fazia uma sombra; e os olhos medonhamente abertos, imobilizados na agonia repentina, tinham uma vaga névoa, como cobertos de uma teia de aranha diáfana. Em redor tudo parecia mais imóvel, de um hirto morto. Vagos reflexos de prata reluziam no aparador; e o tique-taque do cuco palpitava sem descontinuar.

Julião apalpou-a, ergueu-se sacudindo as mãos, disse:

- Está morta com todas as regras. E necessário tirá-la daqui. Onde é o quarto?

Sebastião, pálido, fez sinal com o dedo que era por cima.

- Bem. Arrasta-a tu, que eu levo o candeeiro. - E como Sebastião não se movia: - Tens medo? - perguntou rindo.

Escarneceu-o: que diabo, era matéria inerte, era como quem agarrava uma boneca! Sebastião, com um suor à raiz dos cabelos, levantou o cadáver por debaixo dos braços, começou a arrastá-lo, devagar. Julião adiante erguia o candeeiro; e por fanfarronada cantou os primeiros compassos da marcha do Foosto. Mas Sebastião escandalizou-se, e com uma voz que tremia:

- Largo tudo, e vou-me...

- Respeitarei os nervos da menina! - disse Julião curvando-se.

Continuaram calados. Aquele corpo magro parecia a Sebastião de um peso de chumbo. Arquejava. Nas escadas uma das chinelas do cadáver soltou-se, rolou. E Sebastião sentia aterrado alguma coisa que lhe batia contra os joelhos; era a cuia caída, suspensa por um atilho.

Estenderam-na na cama; Julião, dizendo que se deviam seguir as tradições- pôs-lhe os braços em cruz e fechou-lhe os olhos.

Esteve um momento a olhá-la:

- Feia besta! - murmurou, estendendo-lhe sobre o rosto uma toalha enxovalhada.





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