O Primo Basílio - Cap. 14: CAPÍTULO XIV Pág. 377 / 414

Jorge foi heróico durante toda essa tarde. Não podia estar muito tempo na alcova de Luísa, a desesperação trazia-o num movimento contraditório; mas ia lá a cada momento, sorria-lhe, conchegava-lhe a roupa com as mãos trémulas; e ela dormitava, ficava imóvel a olhá-la feição por feição, com uma curiosidade dolorosa e imoral, como para lhe surpreender no rosto vestígios de beijos alheios, esperando ouvir-lhe nalgum sonho da febre murmurar um nome ou uma data; e amava-a mais desde que a supunha infiel, mas de um outro amor, carnal e perverso. Depois ia-se fechar no escritório, e movia-se ali entre as paredes estreitas, como um animal numa jaula. Releu a carta infinitas vezes, e a mesma curiosidade roedora, baixa, vil, torturava-o sem cessar: Como tinha sido? Onde era o Paraíso? Havia uma cama? Que vestido levava ela? O que lhe dizia? Que beijos dava?

Foi reler todas as cartas que ela lhe escrevera para o Alentejo, procurando descobrir nas palavras sintomas de frieza, a data da traição! Tinha-lhe ódio então, voltavam-lhe ao cérebro idéias homicidas - esganá-la, dar-lhe clorofórmio, fazer-lhe beber láudano! E depois imóvel, encostado à janela, ficava esquecido num cismar espesso, revendo o passado, o dia do seu casamento, certos passeios que dera com ela, palavras que ela dissera...

Às vezes pensava - seria a carta uma mistificação? Algum inimigo dele podia tê-la escrito, remetido para a França. Ou talvez Basílio tivesse outra Luísa em Lisboa, e por engano ao sobrescritar o envelope tivesse escrito o nome da prima; e a alegria momentânea que lhe davam aquelas fantasias fazia-lhe parecer a realidade mais cruel. Mas como fora? Como fora? Se pudesse saber a verdade! Tinha a certeza que sossegaria, então! Arrancaria decerto do seu peito aquele amor como um parasita imundo; apenas ela melhorasse, levá-la-ia a um convento, e ele iria morrer longe, na África, ou algures.





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