O Primo Basílio - Cap. 3: CAPÍTULO III Pág. 64 / 414

Mas roía-se por dentro; veio-lhe a inquietação nervosa dos músculos da face, o tique de franzir o nariz; a pele esverdeou-se-lhe de bílis.

A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar; odiou sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. Tivera-as ricas, com palacetes, e pobres, mulheres de empregados, velhas e raparigas, coléricas e pacientes; - odiava-a todas, sem diferença. É patroa e basta! Pela mais simples palavra, pelo ato mais trivial! Se as via sentadas: "Anda, refestela-te, que a moura trabalha!" Se as via sair: "Vai-te, a negra cá fica no buraco!" Cada riso delas era uma ofensa à sua tristeza doentia; cada vestido novo uma afronta ao seu velho vestido de merino tingido. Detestava-as na alegria dos filhos e nas prosperidades da casa. Rogava-lhes pragas. Se os amos tinham um dia de contrariedade, ou via as caras tristes, cantarolava todo o dia em voz de falsete a "Carta Adorada"! Com que gosto trazia a conta retardada de um credor impaciente, quando pressentia embaraços na casa! "Este papel!" - gritava com uma voz estridente - "diz que não se vai embora sem uma resposta!" Todos os lutos a deleitavam - e sob o xale preto, que lhe tinham comprado, tinha palpitações de regozijo. Tinha visto morrer criancinhas, e nem a aflição das mães a comovera; encolhia os ombros: "Vai dali, vai fazer outro. Cabras!"

As boas palavras mesmo, as condescendências eram perdidas com ela, como gotas de água lançadas no fogo. Resumia as patroas na mesma palavra - uma récua! E detestava as boas pelos vexames que sofrera das más. A ama era para ela o inimigo, o tirano. Tinha visto morrer duas - e de cada vez sentira, sem saber por quê, um vago alívio, como se uma porção do vasto peso, que a sufocava na vida, se tivesse desprendido e evaporado!

Sempre fora invejosa; com a idade aquele sentimento exagerou e de um modo áspero.





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