O Primo Basílio - Cap. 3: CAPÍTULO III Pág. 65 / 414

Invejava tudo na casa: as sobremesas que os amos comiam, a roupa branca que vestiam. As noites de soirée, de teatro, exasperavam-na. Quando havia passeios projetados, se chovia de repente, que felicidade! O aspecto das senhoras vestidas e de chapéu, olhando por dentro da vidraça com um tédio infeliz, deliciava-a, fazia-a loquaz:

- Ai, minha senhora! É um temporal desfeito! É a cântaros; está para todo o dia! Olha o ferro!

E muito curiosa; era fácil encontrá-la, de repente, cosida por detrás de uma porta com a vassoura a prumo, o olhar aguçado. Qualquer carta que vinha era revirada, cheirada... Remexia sutilmente em todas as gavetas abertas; vasculhava em todos os papéis atirados. Tinha um modo de andar ligeiro e surpreendedor. Examinava as visitas. Andava à busca de um segredo, de um bom segredo! Se lhe caía um nas mãos!

Era muito gulosa. Nutria o desejo insatisfeito de comer bem, de petiscos, de sobremesas. Nas casas em que servia ao jantar, o seu olho avermelhado seguia avidamente as porções cortadas à mesa; e qualquer bom apetite que repetia exasperava-a, como uma diminuição da sua parte. De comer sempre os restos ganhara o ar agudo - o seu cabelo tomara tons secos, cor de rato. Era lambareira: gostava de vinho; em certos dias comprava uma garrafa de oitenta réis, e bebia-a só, fechada, repimpada, com estalos da língua, a orla do vestido um pouco erguida, revendo-se no pé.

E nunca tivera um homem; era virgem. Fora sempre feia, ninguém a tentara; e, por orgulho, por birra, com receio de uma desfeita, não se oferecera, como vira muitas, claramente. O único homem que a olhara com desejo tinha sido um criado de cavalariça, atarracado e imundo, de aspecto facínora; a sua magreza, a sua cuia, o seu ar domingueiro tinham excitado o bruto.





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