- Não, não conheço.
- Uma pérola!
Basílio tinha-se aproximado do piano devagar, frisando o bigode.
Tu ainda cantas? - perguntou4he Luísa, sorrindo.
- Quando estou só.
Mas o Conselheiro pediu-lhe logo "um trecho". Basílio ria. Tinha medo de escandalizar um velho assinante de São Carlos...
O Conselheiro animou-o; disse mesmo paternalmente:
- Coragem Sr. Brito, coragem! Luísa então preludiou.
E Basílio soltou logo a voz, cheia, bem timbrada, de barítono; as suas notas altas faziam a sala sonora. O Conselheiro, direito na poltrona escutava concentrado; a sua testa, franzida num vinco, parecia curvar-se sob uma responsabilidade de juiz; e as lunetas defumadas destacavam, com reflexos escuros, naquela fisionomia de calvo, que o calor tornava mais pálida.
Basílio dizia com uma melancolia grave a primeira frase, tão larga, da canção:
- Igual ao mar sombrio Meu coração profundo...
Um poeta, com uma dedicação obscura, traduzira a letra no Almanaque das Senhoras; Luísa pela sua própria mão a tinha copiado nas entrelinhas da música. E Basílio debruçado sobre o papel sempre torcendo as pontas do bigode:
- Tem tempestades, cóleras, Mas pérolas no fundo!
Os olhos largos de Luísa afirmavam-se para a música - ou a espaços, com um movimento rápido, erguiam-se para Basílio. Quando, na nota final, prolongada como a reclamação de um amor suplicante, Basílio soltou a voz de um modo apelativo:
- Vem! Vem Pousar, ó doce amada, Teu peito contra o meu...
os seus olhos fixaram-se nela com uma significação de tanto desejo que o peito de Luísa arfou, os seus dedos embrulharam-se no teclado.