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Capítulo 6: Capítulo 6

Página 147

Então o poeta, pousando o cálice, teve um movimento de leão que sacode a juba:

- Isto é uma velha carcaça, meu rapaz, mas não está só para odes! Ainda se agarra uma espingarda, e como a pontaria é boa, ainda vão a terra um par de galegos... Caramba, rapazes, só a ideia dessas coisas me põe o coração negro! E como vocês podem falar nisso, a rir, quando se trata do país, desta terra onde nascemos, que diabo! Talvez seja má, de acordo, mas, caramba! é a única que temos, não temos outra! É aqui que vivemos, é aqui que rebentamos... Irra, falemos doutra coisa, falemos de mulheres!

Dera um repelão ao prato, os olhos humedeciam-se-lhe de paixão patriótica...

E no silêncio que se fez Dâmaso, que desde as informações sobre a rapariga do Ermidinha emudecera, ocupado a observar Carlos com religião, ergueu a voz pausadamente, disse, com um ar de bom senso e de finura:

- Se as coisas chegassem a esse ponto, se pusessem assim feias, eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris...

Ega triunfou, pulou de gosto na cadeira. Eis ali, no lábio sintético de Dâmaso, o grito espontâneo e genuíno do brio português! Raspar-se, pirar-se!...

Era assim que de alto a baixo pensava a sociedade de Lisboa, a malta constitucional, desde El-Rei nosso Senhor até aos cretinos de secretaria!...

- Meninos, ao primeiro soldado espanhol que apareça à fronteira, o país em massa foge como uma lebre! vai ser uma debandada única na história!

Houve uma indignação, Alencar gritou:

- Abaixo o traidor!

Cohen interveio, declarou que o soldado português era valente, à maneira dos turcos - sem disciplina, mas teso. O próprio Carlos disse, muito sério:

- Não senhor... Ninguém há de fugir, e há de se morrer bem.

Ega rugiu. Para quem estavam eles fazendo essa pose heróica? Então ignoravam que esta raça, depois de cinquenta anos de constitucionalismo, criada por esses saguões da Baixa, educada na piolhice dos liceus, roída de sífilis, apodrecida no bolor das secretarias, arejada apenas ao domingo pela poeira do Passeio, perdera o músculo como perdera o carácter, e era a mais fraca, a mais covarde raça da Europa?...

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Capa do livro Os Maias
Páginas: 630
Página atual: 147

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 26
Capítulo 3 45
Capítulo 4 75
Capítulo 5 98
Capítulo 6 126
Capítulo 7 162
Capítulo 8 189
Capítulo 9 218
Capítulo 10 260
Capítulo 11 301
Capítulo 12 332
Capítulo 13 365
Capítulo 14 389
Capítulo 15 439
Capítulo 16 511
Capítulo 17 550
Capítulo 18 605