Os Maias - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 166 / 630

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Dâmaso, no entanto, imitava o Maia com uma minuciosidade inquieta, desde a barba que começava agora a deixar crescer até à forma dos sapatos. Lançara-se no bric-à-brac. Trazia sempre o coupé cheio de lixos arqueológicos, ferragens velhas, um bocado de tijolo, a aza rachada de um bule... E se avistava um conhecido, fazia parar, entreabria a portinhola como um adito de sacrário, exibia a preciosidade:

- Que te parece? Chic a valer!... Vou mostrá-la ao Maia. Olha-me isto, hein! Pura meia-idade, do reinado de Luiz XIV. O Carlos vai-se roer de inveja!

Nesta intimidade de rosas havia todavia para Dâmaso horas pesadas. Não era divertido assistir em silêncio, do fundo de uma poltrona, às infindáveis discussões de Carlos e de Craft sobre arte e sobre ciência. E, como ele confessou depois, chegara a encavacar um pouco quando o levaram ao laboratório para fazer no seu corpo experiência de electricidade... - «Pareciam dois demónios engalfinhados em mim, disse ele à Sr.ª condessa de Gouvarinho; e eu então que embirro com o espiritismo!...»

Mas tudo isto ficava regiamente compensado, quando à noite, num sofá do Grémio, ou ao chá numa casa amiga, ele podia dizer, correndo a mão pelo cabelo:

- Passei hoje um dia divino com o Maia. Fizemos armas, bric-à-brac, discutimos... Um dia, chic! Amanhã tenho uma manhã de trabalho com o Maia... Vamos às colchas.

Nesse domingo, justamente, deviam ir às colchas, ao Lumiar. Carlos concebera um boudoir, todo revestido de colchas antigas de cetim, bordadas a dois tons especiais, pérola e botão de ouro. O tio Abraão esquadrinhava-as por toda a Lisboa e pelos subúrbios; e nessa manhã viera anunciar a Carlos a existência de duas preciosidades, so beautiful! oh! so lovely! em casa de umas senhoras Medeiros que esperavam o Sr. Maia às duas horas...

Já três vezes Dâmaso tossira, olhara o relógio, - mas, vendo Carlos confortavelmente mergulhado na Revista, recaía também na sua indolência de homem chic, investigando o Fígaro. Enfim, dentro, o relógio Luiz XV cantou argentinamente as duas...





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